Como é possível existir vida nas profundezas dos oceanos?

26/04/2022 às 10:003 min de leitura

Abrigo para quase dois terços de espécies não descobertas, as profundezas dos oceanos guardam condições de vida desafiadoras, exigindo que os organismos sobrevivam à escuridão, frio intenso e escassez de comida. Porém, apesar dos cenários extremos, o fundo do mar revela segredos importantes para a humanidade, criando hábitats improváveis e fornecendo benefícios críticos que podem estar ameaçados por fatores naturais e propositais.

Com um aumento de um atm para cada dez metros de profundidade percorridos, os oceanos marcam um ecossistema com muitas camadas, destacando-se por abrigar diversos tipos de vida e fornecer as condições necessárias para que as espécies perpetuem seus dias e gerações. Porém, a um certo nível, a sobrevivência torna-se algo extremamente desafiador, transformando grupos de animais em seres distintos e evitando o alcance de equipamentos fabricados por humanos. Como resultado, estima-se que mais de dois terços da cobertura oceânica sejam desconhecidos por estudiosos.

No fundo do mar, especialmente em profundidades maiores que um quilômetro, animais tendem a ser esmagados pelas pressões superiores, com casos de números alcançando mais de 100 atm. Além disso, a ausência de luz solar e as baixas temperaturas — 4 °C abaixo de 200 m — impede que os organismos confiem em suas visões e que seres fotossintetizantes produzam alimento, dificultando a subsistência e favorecendo a baixa densidade populacional em áreas inóspitas.

(Fonte: Getty Images / Reprodução)(Fonte: Getty Images / Reprodução)

Porém, certos tipos de vida são capazes de se adaptarem plenamente neste complexo sistema. Segundo Andrew Gooday, biólogo de águas profundas e membro emérito do Centro Nacional de Oceanografia na Inglaterra, a existência de micro-hábitats, como recifes de corais e vulcões subaquáticos, possibilita não apenas a especialização de certos grupos, mas também a concentração de carbono em sedimentos, com o fitoplâncton sendo essencial para a absorção de CO2 e na regulação climática.

A conclusão foi possível graças a um estudo baseado em sequenciamento genético de 418 amostras coletadas de todas as principais bacias oceânicas entre 2010 e 2016. A partir disso, os cientistas puderam analisar variantes para discriminar entre os principais grupos de espécies, famílias ou ordens, e chegaram à existência de inúmeros pequenos organismos, confirmando uma riqueza de indivíduos abaixo do mar em proporções até maiores que as estimadas.

Outra pesquisa, publicada em conjunto por estudiosos da Universidade Estadual do Arizona e da Central South University, na China, sugeriu a preservação de ambientes baseados em aberturas feitas de rocha com baixo teor de sílica — sistemas ultramáficos — que permitem a vida de seres microscópicos. Essa conclusão forneceria, então, "uma nova perspectiva não apenas na bioquímica, mas também na ecologia", ao indicar "que certos grupos de organismos são inerentemente mais favorecidos em ambientes hidrotermais específicos".

Vida em risco nas profundezas

Em entrevista ao site Pew Trusts, a bióloga de águas profundas Diva Amon revelou que pressões da comunidade internacional para liberar a mineração em escala comercial no fundo do oceano ameaça não apenas as espécies animais, mas todo o conhecimento obtido sobre os oceanos e suas implicações. Como há várias lacunas sobre estudos da área, não há formas concretas para garantir a proteção de ecossistemas profundos, sendo necessário basear as decisões na ciência em vez do interesse de mercado.

"O oceano profundo não é apenas incrível e enorme, mas é um vasto reservatório de biodiversidade, de tubarões brilhantes a caracóis blindados, com novas espécies sendo descobertas a cada ano. E o oceano profundo e seus habitantes são absolutamente essenciais para manter nosso planeta saudável e nos manter vivos, sequestrando carbono e formando a base das cadeias alimentares que sustentam bilhões de pessoas", esclarece Amon.

(Fonte: ABC / Reprodução)(Fonte: ABC / Reprodução)

Até o momento, cerca de 31 áreas têm contratos de exploração concedidos pela International Seabed Authority. Com isso, impactos diretos como a destruição do hábitat marinho, a rápida movimentação de águas residuais e sedimentos de máquinas, a alteração nas propriedades geoquímicas e físicas das colunas de água, e muitos outros efeitos estariam colocando em risco décadas de estudos, assim como espécies que já levaram anos de evolução para se adaptarem às atuais configurações.

"Os desafios que enfrentamos são cada vez mais complexos e a necessidade de soluções sustentáveis para o futuro é cada vez mais urgente. A pesquisa científica desempenha um papel fundamental na solução desses desafios, ajudando-nos a proteger vidas e o meio ambiente e aumentar a conscientização", conclui a bióloga, exaltando a importância no combate à exploração inadequada e a implementação de políticas que se apoiem nos conhecimentos adquiridos.

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