Ciência
19/05/2022 às 04:00•2 min de leitura
Luís XIV ficou conhecido como o notório Rei Sol, rei da França e de Navarra, responsável por ordenar que construíssem o Castelo de Versalhes na década de 1660, com 2 mil cômodos e em uma área com mais de 8 mil quilômetros quadrados. Além disso, ele também entrou para a História pelo seu apetite voraz, que causou sua ruína conforme envelheceu, e por revolucionar a medicina de uma maneira incomum: através de sua hemorroida.
Em 15 de janeiro de 1685, quando o barbeiro-cirurgião Charles-François Felix foi convocado à Versalhes pelos médicos reais para tratar de um inchaço na região anal do rei, ele não fazia ideia de que estava prestes a mudar a face da cirurgia — ainda que de maneira rudimentar.
Segundo os registros do diário de saúde de Luís XIV, preservado até hoje, o abscesso se formou em 18 de fevereiro e, em 2 de maio, a fístula apareceu — e o inferno na vida do rei começou.
Charles-François Felix. (Fonte Google Arts&Culture/Reprodução)
Luís se queixava de dores e não conseguia se sentar de maneira confortável no trono ou em qualquer lugar. Enemas e cataplasmas não aliviaram os sintomas, e a higiene precária do período, intensificada pela proclamação da Igreja de que o banho levava à imoralidade, sexo promíscuo e doenças —, apenas piorou o estado da condição.
Ouvindo que a água transportava doenças, causava inflamações e até cegueira, o rei evitou tomar banho completo ao longo de sua vida. Com isso, o inchaço das hemorroidas piorou seu odor corporal a ponto de que era necessário abrir uma janela no cômodo em que ele estava.
Quando a situação de dor chegou a ponto de desespero, os médicos de Versalhes buscaram o Dr. Felix para tentar fazer algo que fosse efetivo, visto que os barbeiros-cirurgiões eram os únicos gabaritados para cortar o corpo humano, muito diferente dos tratamentos usados pelos médicos, que envolvia apenas métodos medicamentosos.
(Fonte: France Inter/Reprodução)
Felix levou 6 meses para preparar a operação, reunindo 75 homens de campos de trabalho e prisões, sob o aval de Luís XIV, todos com saúde relativamente boa, para que pudesse usá-los como cobaias.
A princípio, três ou quatro pessoas deitavam na mesa de cirurgia do homem por dia e, sem anestesia ou antibióticos, elas passavam pelo procedimento — a maioria não sobrevivia para contar história. Mas foi assim que Felix desenvolveu e refinou seus instrumentos e métodos até que pudesse aplicá-los no rei.
Ferramenta usada durante o procedimento. (Fonte: Un Dermatologo en el Museo/Reprodução)
O dia fatídico foi 18 de novembro de 1686, exatamente às 7h. O Dr. Felix colocou Luís XIV deitado sobre uma mesa para começar o procedimento, na presença de Madame de Maintenon (amante do rei), o filho Delfim, seu confessor, os médicos reais e o Ministro de Estado.
Apesar de todo o estresse, uivos e dor, a operação foi um sucesso. Em menos de um mês, o rei estava conseguindo se sentar na cama, e em três meses, já cavalgava pelos campos de Versalhes.
O que Felix fez, em um período em que fístulas anais começaram a brotar com muita incidência nas pessoas, significou um avanço enorme para a medicina, que passou a encarar operações como uma maneira saudável e segura para certos tratamentos.
(Fonte: Tidsskriftet/Reprodução)
Além disso, a bunda enfaixada de Luís XIV lançou tendência pela França, com vários admiradores colocando ataduras no traseiro para homenageá-lo ou se sentir um pouco como ele.
Enquanto isso, Charles-François-Felix recebeu dinheiro, terras, um título real que acrescentou Tassy ao seu nome, e a credibilidade em nome de todos os cirurgiões-barbeiros, uma profissão considerada praticamente intuitiva naquela época.
Devido a isso, em 18 de dezembro de 1731, Luís XV, neto de Luís XIV, abriu a Academia Real de Cirurgia, atualmente conhecida como Academia Nacional de Cirurgia.