Artes/cultura
25/01/2023 às 12:00•3 min de leitura
Em 2022, com a Copa do Mundo do Catar, houve um choque de culturas quando o país sede do evento finalmente abriu suas portas para receber oficialmente turistas do mundo inteiro. Entre tantas proibições, códigos de conduta, crimes raciais e homofóbicos que contrariam os direitos humanos – e que não podem ser normalizadas como algo "cultural" –, o tratamento das mulheres também foi muito colocado em pauta, como muito acontece na maioria dos países do Oriente Médio.
Em março de 2021, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) descreveu que mulheres e meninas iranianas são "tratadas como cidadãs de segunda classe", citando também a prática do casamento infantil generalizado envolvendo meninas entre 10 e 14 anos, proteções fracas contra a violência doméstica e falta de autonomia legal para as mulheres.
Desde a Revolução Islâmica de 1979 que os direitos civis das mulheres foram restringidos e várias leis estabelecidas, como a introdução do uso obrigatório do véu (hijab). Com os movimentos ocidentais influenciados pelo excesso de mídia e das redes sociais, o governo do Irã planeja usar inteligência artificial para identificar mulheres que fazem mal uso do véu.
(Fonte: Iran Wire/Reprodução)
O uso do hijab era para ser apenas uma escolha religiosa pessoal feita pelas mulheres, porém, no Irã, adquiriu caráter de opressão e marginalização. Sob a lei "hijab e castidade", o país exige que as mulheres e meninas com mais de 9 anos usem o lenço cobrindo o pescoço, cabeça, boca, cabelos e braços. A desobediência ou mal uso do véu leva à prisão por até dois meses, podendo também receber 74 ou mais chicotadas como forma de punição.
Em setembro de 2022, Mahsa Amini, de 22 anos, viajava com sua família da província do Curdistão, no oeste do Irã, para a capital, Teerã, para visitar parentes quando foi espancada pela polícia moral do regime por, supostamente, não cumprir os regulamentos do hijab no país.
Depois, a mulher foi arrastada do veículo, recebeu voz de prisão e conduzida para um centro de reeducação legal. A família de Amini foi informada de que ela havia sido transferida para uma unidade de terapia intensiva do Hospital Kasra horas após sua prisão. Ao chegarem no local, os pais receberam a notícia de que Amini estava em coma devido a uma morte cerebral, apesar de a polícia ter dito que a jovem sofreu apenas um ataque cardíaco.
Essa atitude está alinhada com a recente iniciativa do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, que ordenou uma repressão aos direitos das mulheres e pediu uma aplicação rigorosa do código de vestimenta obrigatório do país.
Mahsa Amini. (Fonte: Elle/Reprodução)
Pensando em "manter o decoro das mulheres", Mohammad Saleh Hashemi Golpayegani, secretário da Sede de Promoção da Virtude e Prevenção do Vício do Irã, anunciou que o governo utilizará a tecnologia de reconhecimento facial em transportes e locais públicos para identificar mulheres que não cumprem a nova lei rígida sobre o uso do véu.
Em 15 de agosto de 2022, o presidente do Irã assinou o decreto para viabilizar esse projeto e também reforçar a repressão cada vez mais punitivista sobre o vestuário feminino, um mês após o "Dia da Castidade e Hijab" nacional, que gerou protestos por todo o país, com mulheres postando vídeos sem o véu em locais públicos. Nas semanas seguintes, a televisão iraniana respondeu a esses protestos com prisões e confissões forçadas em rede nacional.
Sepideh Rashno, de 28 anos, foi uma das mulheres caçada pelo governo nas redes sociais após viralizar um vídeo dela sendo repreendida por um passageiro por estar "vestida de maneira imprópria" no transporte público. Presa pelas autoridades, Rashno foi espancada e forçada a se desculpar em rede aberta com o passageiro que a assediou.
(Fonte: Radio Free Europe/Reprodução)
Como deixou claro Azadeh Akbari, pesquisador da Universidade de Twente, na Holanda, essa iniciativa do governo iraniano é só mais uma de uma série de formas violentas e antiquadas de tecnologia para tentar mascarar o controle de um país totalitário.
Desde 2015 que as mulheres carregam cartões de identidade biométricos com um chip que armazena dados, como escaneamento de íris, impressões digitais e imagens faciais. É provável que o governo use dessas informações com tecnologia de reconhecimento facial para identificar cada mulher que violar o código de vestimenta obrigatório, tanto dentro como fora da internet.
Ainda segundo Akbari, com o governo em posse de todos os rostos, eles podem localizar essas mulheres em segundos. O silenciamento é garantido.