Artes/cultura
06/07/2023 às 11:00•4 min de leitura
O passado da humanidade é algo que nos fascina há várias gerações. Ao longo de séculos, historiadores vêm pesquisando, aprendendo e descobrindo cada vez mais sobre como viviam nossos antepassados. Agora, um novo estudo aponta diversas novidades interessantes sobre o passado do ser humano.
No livro Hidden Depths: The Origins of Human Connection ("profundidades ocultas: as origens das conexões humanas", em tradução livre), Penny Spikins aponta uma porção de novidades sobre nosso passado descobertas nos últimos cinco anos.
A evolução humana pode ter sido mais complexa e diversa do que imaginávamos
Spikins, que é professora de arqueologia de origens humanas da Universidade de York, destacou em uma publicação no site The Conversation seis descobertas que se destacaram entre as demais. Segundo ela, estes pontos nos ajudam a compreender melhor o passado dos nossos ancestrais, até hoje tidos vastamente como simplesmente pessoas peludas e de inteligência muito limitada.
Quando se pensa no passado da humanidade, nossa mente vai montando uma linha evolutiva bem retinha, partindo do macaco, passando por versões primitivas do ser humano até chegar no Homo sapiens. Em seguida, vem o Homo sapiens sapiens — ou, em outras palavras, o homem moderno.
Porém, segundo o livro publicado pela professora Spikins, existiram pelo menos 21 espécies humanas diferentes no passado. Além dos neandertais — que não apenas criaram a arte simbólica como podem ter tido adaptações biológicas que incluíam a hibernação — e os denisovanos, ela cita por exemplo o Homo longi, espécie identificada há poucos anos, em 2018.
Além da arte simbólica, o neandertal pode ter tido adaptações biológicas que incluíam a hibernação
Já o Homo naledi, segundo a autora, eram seres humanos baixos, com menos de 1,50 m de altura, e tinham cérebros pequenos. Porém, mesmo com cérebro menor do que o de um chimpanzé, eram esta espécie humana era culturalmente complexa.
A ideia de diferentes espécies humanas se relacionando sexualmente e gerando filhos e filhas híbridos pode parecer estranha e até improvável em um primeiro momento, mas a coisa parece ter sido bem diferente do que o que imaginávamos até então. Uma prova disto é Denny, a ossada de uma jovem menina encontrada em uma caverna na Sibéria. Análises de seu DNA mostraram que a criança era filha de mãe neandertal e pai denisovano, comprovando a existência de humanos híbridos no passado.
As evidências vão ainda mais longe — ou mais perto — quando analisamos o nosso próprio DNA, que carrega genes herdados dos neandertais, e não apenas do Homo sapiens.
Spikins explica que, embora em muitos casos a evolução das espécies se dê de forma a adaptá-la às condições do mundo ao seu redor, nem sempre este é o caso. Nos humanos, por exemplo, diversas características físicas e genéticas podem ser mero fruto do acaso. Até mesmo os traços físicos dos neandertais, de fisionomia bruta, não necessariamente se tratavam de características físicas causadas por necessidades para a evolução da espécie.
Características físicas mais brutas do neandertal podem ter sido obra do acaso, e não necessariamente para garantir vantagens evolutivas
Segundo o estudo publicado pela professora, certas características de uma espécie podem ser passadas adiante sem necessariamente servirem como uma vantagem evolutiva. Em alguns casos, pode ser até mesmo uma desvantagem, como a predisposição para casos de depressão ou esquizofrenia, por exemplo.
Se estamos aqui hoje, eu escrevendo e você lendo, é porque assim ditou a natureza. Spikins explica que nossa existência é correlacionada a eventos naturais, como mudanças climáticas, que no passado extinguiram outras espécies humanas, mas não afetaram tão significativamente o Homo sapiens.
Há 42 mil anos, por exemplo, o campo magnético da Terra foi interrompido temporariamente no evento conhecido como Laschamp. Com isso, os neandertais sofreram as consequências das mudanças no planeta e foram levados à extinção.
Os neandertais foram levados à extinção após evento que interrompeu temporariamente o campo magnético da Terra
Outras espécies, como o Homo erectus e o Homo heidelbergensis, também tiveram seus dias encerrados em consequência de alterações naturais.
Você já deve ter ouvido hoje em dia que gentileza gera gentileza, mas saiba que esta máxima também valia lá atrás, milhares de anos no passado. Por mais que muitos historiadores apontem que a violência tenha sido um importante fator para a evolução humana, novas descobertas apontam que ser gentil com o próximo pode ter contribuído bastante para a sobrevivência da nossa espécie.
A professora aponta, por exemplo, a descoberta de esqueletos com sinais sobrevivência após lesões e doenças, algo que não aconteceria naturalmente, sem a ajuda de terceiros com conhecimentos básicos de medicina. Cuidar dos companheiros feridos e dos membros mais velhos do grupo garantia não apenas mais mãos para caçar, mas também mais conhecimento e sabedoria a serem passados para as gerações seguintes.
Conforme fomos evoluindo, nossa espécie foi se tornando mais e mais sociável. E a vida em sociedade veio com um custo: a necessidade da convivência com o próximo. Com isso, o ser humano se tornou mais sensível não apenas aos próprios sentimentos, mas também aos daqueles à sua volta.
A necessidade de viver em grupo nos tornou mais sociáveis e muito mais sensíveis aos nossos sentimentos e aos das pessoas ao nosso redor
Diferente de nossos antepassados, hoje somos muito dependentes da vida em grupo. Precisamos pertencer, conviver, compartilhar, coexistir. Precisamos nos encaixar, ser aceitos e apreciados. E na esteira disto tudo vem uma imensa vulnerabilidade emocional, que nas palavras da professora Spikins, nos deixa "mais propensos a distúrbios emocionais, solidão e depressão que nossos antepassados".
Por mais que muito do que foi dito acima possa parecer ruim, a coisa na verdade é bem diferente: conviver em sociedade, mesmo com suas desvantagens no campo emocional, também oferece vantagens à humanidade. O individualismo, ainda muito presente em nossa sociedade atual, e a ideia de que somos superiores a todas as demais espécies, por outro lado, não tem nos levado em uma direção exatamente das melhores.
Como aponta a autora, pode até não ser muito agradável conviver com nossos sentimentos complexos, mas eles são de grande importância na criação de nossas comunidades, hoje grandes e conectadas. "Nossas emoções são essenciais para as colaborações humanas," afirma a Spikins, que finaliza dizendo que o "passado indica que o nosso futuro não será melhor, a menos que façamos alguma coisa a respeito."