Ciência
21/03/2024 às 20:00•4 min de leituraAtualizado em 22/03/2024 às 11:26
O que aconteceu na década de 1960, do momento em que o Sputnik foi lançado até Neil Armstrong cravar a bandeira dos Estados Unidos no solo lunar, foi apenas uma intensa batalha pelo poderio do espaço, uma que ficou conhecida como "Corrida Espacial". A guerra, no entanto, continua por vir, e há anos que isso deixou de ser uma especulação.
Em 15 de fevereiro de 2024, John Kirby, porta-voz da Segurança Nacional dos EUA, falou da sala de conferências de imprensa da Casa Branca, em Washington, que o governo está monitorando uma nova arma antissatélite russa que está sendo desenvolvida, mas que ainda não foi implantada.
Kirby não afirmou nem negou diretamente os relatos de que essa arma é nuclear, mas disse que é baseada no espaço, o que infringe a lei que proíbe a implantação de armas nucleares ou outras armas de destruição em massa em nossa órbita, conforme o Tratado do Espaço Sideral, ratificado em 1967, como uma maneira de atenuar a proporção do sentimento bélico crescente entre os governos. Ele só confirmou que a ameaça está relacionada a uma capacidade antissatélite que ainda não representa uma intimidação imediata à segurança de ninguém.
“Não estamos falando de uma arma que pode ser usada para atacar seres humanos ou causar destruição física aqui na Terra”, disse o porta-voz da segurança nacional.
Em sua defesa, o Kremlin classificou o alerta dos EUA como uma “invenção maliciosa” visando pressionar o Congresso a aprovar mais dinheiro para a Ucrânia. Independentemente desse contexto político, o que, de fato, sabemos é que a corrida antissatélite começou.
Em 1º de setembro de 1859, quando aconteceu o Evento Carrington, uma explosão solar massiva com a energia de 10 bilhões de bombas atômicas, que expeliu gás eletrificado e partículas subatômicas em direção à Terra, os maiores danos foram a interrupção e a falha nas comunicações telegráficas, causando incêndios e deixando cidadãos isolados por um tempo. Para época, no entanto, isso foi um caos, e hoje seria o nosso fim.
Com o nível de tecnologia que temos, uma tempestade como essa teria efeito avassalador na vida na Terra. Estamos falando de bilhões ou até trilhões de dólares em danos em redes de energia e comunicações de rádio, gerando apagões elétricos em escala mundial, levando até anos para serem reparados, ameaçando sistemas bancários, produção de alimentos e outros setores da vida humana.
Isso porque todos os aspectos da sociedade são coordenados por uma grande malha de satélites, que ajuda a ver as horas, sacar dinheiro, usar o celular ou fazer qualquer tipo de operação governamental e militar, como o posicionamento estratégico de armas.
É por isso que pessoas como o analista militar Peter Singer, da New America Foundation, têm razão em dizer que se uma guerra espacial acontecer, considerando a movimentação de Vladimir Putin, será provavelmente focada em coisas que importam muito para a vida na Terra e para os governos, como os satélites.
A Corrida Espacial não é uma questão do século XX, ela é real e até mais perigosa atualmente. Com a China, EUA e Rússia disputando o domínio do espaço, a preocupação se tornou o rápido e crescente desenvolvimento internacional das armas antissatélite (ASAT).
Assim que a União Soviética lançou o Sputnik 1, o primeiro satélite do mundo, em 1957, os EUA tomaram uma série de medidas para não só recuperar sua posição na corrida, mas também para tentar neutralizar o poder crescente de comunicação militar que o Sputnik representava.
Em 1958, os americanos realizaram o programa Bold Orion, que envolvia lançar ogivas nucleares por mísseis balísticos Atlas para testar os efeitos de explosões nucleares em altitudes elevadas. É possível dizer que essa iniciativa representou os testes iniciais de ASATs, quando os americanos temeram que seus rivais da Guerra Fria desenvolvessem uma rede orbital de satélites com armas nucleares.
Em resposta, na década de 1970, a União Soviética lançou o próprio ASAT com o míssil terra-ar P-270 Moskit (conhecido na OTAN como SS-N-22 Sunburn), do tipo que voava ao lado de satélites e se detonava — uma maneira indireta de atacar o inimigo.
Muito mais tarde, em 2007, a China não só entrou para a corrida antissatélite quando destruiu com um míssil balístico um antigo satélite meteorológico, o FY-1C Fengyun-1C, como também atraiu preocupações e críticas internacionais devido ao risco de criação de detritos espaciais que poderiam ameaçar outros satélites em órbita.
Se está se perguntando o motivo pelo qual essas armas não são proibidas, não constam no Tratado do Espaço Sideral ou em qualquer outro, é porque a natureza de dupla utilização da infraestrutura espacial torna quase impossível as diferenciar entre armas e não-armas.
A tecnologia de Remoção Ativa de Detritos (ADR) é considerada benigna, destinada a remover satélites extintos ou outro tipo de lixo espacial, porém também pode ser instrumentalizada para remover satélites ativos, o que a configuraria como uma arma.
Como resultado, os ASATs ocupam uma zona cinzenta no controle internacional de armas, mas, por definição, essas armas podem ser divididas em dois grupos. Aquelas que destroem satélites colidindo fisicamente com eles em alta velocidade são chamados de "ASATs de energia cinética" (KE-ASATs), e estes são: drones, mísseis balísticos e explosivos detonados perto de satélites.
Por outro lado, os "ASATs não cinéticos" usam qualquer mecanismo não físico para tornar um satélite inoperante, como atingi-los com lasers, lançar ataques cibernéticos ou bloquear frequências.
Desde 2018, a Rússia desenvolve armas não cinéticas mais avançadas em um sistema conhecido como Nudol, que opera na Órbita Baixa da Terra e pode se mover entre caminhos orbitais, ameaçando mais satélites do que armas limitadas a apenas um caminho orbital. E ela não está sozinha, a China e a Índia estão na corrida armamentista, mostrando a rápida proliferação da busca por poder bélico espacial avançado.
Em certa escala, os ASATs são interessantes porque inibem conflitos diretos. As potências que possuem armamento antissatélite de grande magnitude são menos propensas avançar em conflitos se acreditarem que seus oponentes são capazes de destruí-los de forma sumária. Afinal, atacar e ser atacado resulta em uma vulnerabilidade econômica e de segurança que poderia destruir grandes potências, tornando-as quase indefesas, um risco que nenhuma delas deseja correr.
É importante, no entanto, não se enganar com as funções dissuasivas dos ASATs, porque também são propensos a catalisar ou exacerbar conflitos entre potências exatamente por elas se valerem do seu arsenal.
Ou seja, o nosso futuro está à mercê de uma grande e perigosa antítese.
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