Ciência
06/08/2024 às 08:00•2 min de leituraAtualizado em 06/08/2024 às 08:00
Por mais absurda que possa parecer nos dias de hoje, uma teoria sobre a fermentação do leite pela ação dos raios de uma tempestade com trovoadas foi mundialmente aceita no mundo inteiro e perdurou durante os séculos XVIII e XIX. Publicada na prestigiosa revista científica Scientific American, uma carta enviada pelo cientista amador John D. Caton explicava um experimento feito por ele para provar o fenômeno.
Caton era juiz da Suprema Corte de Illinois, trabalhou em alguns casos legais com o então advogado Abraham Lincoln, e se correspondia regularmente com Charles Darwin, que ainda não havia publicado o seu A Origem das Espécies.
Publicada com o título de “Raios e Leite”, a carta alertava que, embora não compreendido pelos homens de ciência, o fenômeno era "bem conhecido pelos produtores de leite e donas de casa que uma violenta tempestade transforma leite doce em azedo".
“Com um pé” no misticismo, os cientistas do século XVIII adotavam o chamado viés de confirmação, tentando muitas vezes confirmar suas crenças pessoais, ignorando dados que pudessem refutá-las. O próprio Noah Webster (aquele do dicionário) postulava que o raio coalhava o leite, pois reduzia a pressão barométrica da atmosfera.
Caton, pelo menos, teve a humildade de testar sua hipótese: passou uma corrente elétrica através de várias tigelas de leite usando fios de metal. Após algumas descargas, ele percebeu que o leite não coalhava, e registrou: "Portanto, concluí que a eletricidade não tem agência direta para transformar leite doce em azedo durante uma tempestade".
O fim dessas teorias “electrolácteas” só foi terminar no final do século XIX, quando o cientista francês Louis Pasteur demonstrou que são bactérias do ácido láctico, como os lactobacilos, as responsáveis pela fermentação e acidificação do leite. Ou seja, quando esses micróbios consomem os açúcares naturais do leite (lactose), produzem o ácido láctico residual que coagula as proteínas do leite.
Mesmo com a comprovação da influência das bactérias, foi somente em 1927 que o microbiologista Edward Holyoke Farrington deu a explicação definitiva para a questão: "Uma atmosfera espessa e abafada geralmente precede as chuvas de trovões, e fornece condições favoráveis para o crescimento de bactérias que azedam o leite".
Importante precursor da microbiologia no mundo, o também médico Farrington decretou: "Nenhum efeito de trovões e relâmpagos no leite e no creme será notado, se as vacas e as latas de leite estiverem limpas, e todos os utensílios cuidadosamente esterilizados". Hoje, para um raio azede o leite, só se queimar a geladeira.