Artes/cultura
04/12/2024 às 18:00•2 min de leituraAtualizado em 04/12/2024 às 18:00
Em uma reviravolta surpreendente na história da humanidade, arqueólogos descobriram uma “fábrica de piche” de 65 mil anos em uma caverna de Gibraltar, onde Neandertais produziram uma substância pegajosa para fabricar armas e ferramentas. O achado na Caverna Vanguard, parte do complexo de cavernas de Gorham — reconhecido como Patrimônio Mundial da UNESCO —, revela que esses ancestrais eram engenheiros habilidosos muito antes da chegada dos humanos modernos na Península Ibérica.
A estrutura encontrada consistia em um poço circular com cerca de 23 centímetros de diâmetro e oito de profundidade, com paredes verticais e duas pequenas trincheiras laterais. Segundo o estudo publicado na Quaternary Science Reviews, o poço era um forno engenhoso, onde folhas da planta chamada esteva eram aquecidas para extrair uma substância conhecida como lábdano. “A estrutura revelou uma maneira até então desconhecida de como os Neandertais manejavam e usavam o fogo”, afirmaram os pesquisadores.
O processo começava com o preenchimento do poço com folhas de esteva, cujas propriedades pegajosas emergem ao serem aquecidas. Para evitar que as folhas queimassem, os Neandertais as cobriam com uma camada de areia úmida e, por cima, faziam uma fogueira controlada usando gravetos finos. Esse cuidado era essencial para atingir a temperatura ideal de 150 graus Celsius — suficiente para liberar o piche sem o destruir.
As trincheiras laterais do poço podem ter facilitado o acesso rápido às folhas ainda quentes, permitindo que fossem espremidas para extrair o lábdano. O material era, então, utilizado para colar pontas de flechas ou lanças feitas de pederneira, que depois eram reforçadas com fibras vegetais ou tendões de animais. Essa técnica sofisticada, recriada pelos cientistas, mostrou que era possível produzir piche suficiente para fabricar duas lanças em apenas quatro horas.
Embora o uso principal do material pareça ter sido como cola, alguns especialistas sugerem que ele também poderia servir como perfume, medicamento ou até mesmo impermeabilizante. No entanto, o nível de planejamento e execução necessário para esse processo indica uma habilidade técnica notável entre os Neandertais.
A descoberta não apenas destaca a capacidade dos Neandertais de criar soluções complexas, mas também sugere que eles colaboravam para realizar tarefas sofisticadas. A precisão com que controlavam o fogo e a engenhosidade da “fábrica” mostram que esses ancestrais eram mais do que simples caçadores-coletores.
“O forno demonstra que Neandertais possuíam uma compreensão profunda dos materiais e do manejo do fogo”, explicou a equipe. Além disso, a presença de guano na estrutura indica que eles aproveitaram recursos disponíveis de maneira eficiente, incluindo o esterco de aves ou morcegos como isolante para manter o poço hermético.
Apesar das dúvidas sobre os usos finais do piche, a complexidade desse sistema reforça a imagem dos Neandertais como indivíduos adaptáveis, inventivos e altamente sociais. Enquanto as cavernas de Gibraltar continuam a revelar segredos enterrados no tempo, uma coisa é clara: os Neandertais não eram apenas sobreviventes, mas pioneiros engenhosos de sua era.