Artes/cultura
12/09/2017 às 07:20•4 min de leitura
A homossexualidade não é uma opção, mas uma condição. Acredite, ninguém vira ou escolhe ser gay. A única opção que alguém pode fazer é aceitar ou não a sua própria natureza. Ainda assim, esse é um processo bastante complicado que, apesar de determinante para a felicidade da pessoa e de quem convive com ela, não depende só dela.
Gays convivem desde a infância com a rejeição e a associação da homossexualidade ao sentimento de vergonha. Uns aprendem a passar por cima disso, outros não. Antes de criticar alguém por não se assumir, entenda que você pode ser parte do que faz com que essa pessoa se mantenha assim. Alguém assume um papel do qual não se orgulha? Definitivamente, não.
Quando discursos como os de Jair Bolsonaro e Marco Feliciano, que defendem a “família” e os “bons costumes”, são hipervalorizados, uma ameaça perigosa ganha força. Mais que questionáveis, posturas assim são agentes legitimadores da violência em todas as suas variações. Entenda:
Um homossexual que cresce no seio de uma família repressora tem basicamente três destinos predeterminados na vida: 1. aceitar a sua condição e ser feliz, geralmente longe dos parentes; 2. cometer suicídio, ou 3.absorver esses valores, rejeitar a sua sexualidade, formar uma família heterossexual e manter relações extraconjugais com pessoas do mesmo sexo.
Saber que as alternativas 2 e 3 são assustadoramente comuns é o suficiente para chegarmos à conclusão de que alguma coisa está errada.
O discurso da família e dos bons costumes pode convencer muita gente, mas, da maneira como é passado adiante, serve de base para uma série de tragédias pessoais que interrompem e afetam gravemente o curso de histórias que poderiam ter um fim muito diferente.
Por favor, pare de associar uma coisa à outra. A pedofilia é um desvio sexual que pode acometer pessoas de qualquer orientação. Seus filhos não correm mais risco ao serem deixados sozinhos com um gay do que com um heterossexual. A pedofilia é uma questão independente da orientação. Pior: muitas vezes acontece dentro de casa e vem de quem menos se espera.
Sexualidade e identidade de gênero não devem ser encarados como conceitos engessados, mas é preciso compreender que existem diversas tendências de comportamento e que a palavra gay não dá conta de todas.
A homossexualidade pode ou não estar associada à transgeneridade, à transexualidade etc., o que significa que, não, um gay não vai necessariamente se transformar aos poucos numa figura que se apresenta à sociedade como a do sexo oposto. Esqueça a ideia de “evolução gradativa”.
A questão da identidade de gênero é uma necessidade maior, inerente a cada indivíduo. Naturalizar e respeitar essa necessidade não vai incentivar que as pessoas adotem esse comportamento do nada, do zero. Vai, sim, permitir a quem já tem essa necessidade a possibilidade de expressar a sua natureza com orgulho e dignidade.
E se esta for a vontade de alguém próximo, qual é o problema? Tem dúvidas sobre como agir? Marcelo Tas ajuda a responder essa questão.
Quantas vezes conhecemos pessoas incríveis, com as quais a gente se identifica e desenvolve grande admiração, sem saber o que elas fazem na intimidade? E por que, em alguns casos, descobrir que uma pessoa é homossexual invalida a todas as suas outras qualidades?
Admire as pessoas pelo que elas são.
Muitos pais relatam que aceitam a homossexualidade dos filhos, mas têm medo de que eles sejam influenciados a experimentar drogas ou adotar um comportamento promíscuo.
Se você tem filhos, essa preocupação não deveria depender da orientação sexual deles. O conceito amedrontador de um pretenso grupo de risco, teoricamente mais exposto a determinados problemas, dá lugar, hoje, à ideia de conduta de risco. Sejamos hétero ou homossexuais, não estamos a salvo de qualquer coisa e não devemos estigmatizar as pessoas.
Todo produto cultural tem uma função social. Você pode pensar o que quiser sobre as novelas da Globo, mas não pode negar que são fonte de diversos debates e ajudam a construir uma parte da identidade do país.
Precisamos começar a consumir esses produtos com mais senso crítico. Se um enredo nos apresenta a uma neta que bate nos avós, ele não quer ensinar que netos devem bater em avós. A intenção do autor é exatamente o contrário: mostrar, discutir quão abominável é bater nos avós.
A presença cada vez mais frequente de gays na TV não quer (nem seria capaz de) influenciar qualquer pessoa a se tornar gay, mas ajuda a naturalizar uma realidade que precisa ser respeitada pela sociedade. Pode influenciar, no máximo, um gay que se esconde de si e dos outros a ter mais orgulho de quem é, diferentemente do que tantas pessoas o fizeram crer ao longo da vida. E não, isso não é ruim.
Já a exploração de estereótipos exagerados e que nem sempre representam a comunidade gay com o respeito que deveriam é papo para outro momento.
Criminalizar a homofobia é preciso, entre outros motivos, porque o nosso país é recordista mundial em crimes motivados especificamente por ódio à população LGBT. Uma lei que favoreça essas pessoas pode reduzir a impunidade e ajudar a tirar o país desse ranking vergonhoso.
Já o casamento civil igualitário dá aos casais homossexuais, que são mais uma entre as diversas concepções possíveis de família, os direitos que casais héteros têm desde sempre. Por que o tratamento deveria ser diferente? Por que se opor, por exemplo, à adoção, por parte de casais gays, de órfãos e crianças abandonadas? Isso não representa qualquer ameaça à família.
Não absorva a causa gay como uma imposição de valores. Ela é uma luta por respeito e igualdade. Nenhum homossexual em sã consciência quer varrer o mundo com uma tsunami gay. Termos como “ditadura gayzista” e “heterofobia” não fazem sentido simplesmente porque a causa gay não propõe a imposição de qualquer comportamento ou da “destruição da família”.
Você acha que vai se tornar gay depois que o casamento civil igualitário e a criminalização da homofobia forem realidade? Eu respondo por você: não, ninguém vai. E mais: preservar e incentivar a tolerância e o amor que existem nas crianças não é capaz de “convertê-las” à homossexualidade. Nada será capaz disso se elas não forem homossexuais. Simples assim.
Entenda, ainda, que o que se diz deixa de ser opinião e se torna discurso de ódio a partir do momento que fere os direitos de outra pessoa e incita a violência. “Enfrentar a minoria” e “tratar os homossexuais longe daqui”, como propôs o ex-candidato à presidência Levy Fidelix em rede nacional, em 2014, é uma legitimação à intolerância que fere gravemente a dignidade de centenas de milhares de pessoas e leva a casos como este.
O texto foi originalmente publicado pelo Rodrigo Sánchez em sua página no Medium.