Shavarsh Karapetyan: o atleta e herói de 'sete vidas'

04/02/2021 às 15:004 min de leitura

Muito diferente de qualquer nadador ou competidor olímpico, a relação de Shavarsh Karapetyan com a água nasceu da necessidade de salvar a própria vida – e, mais tarde, a de muitas pessoas.

Nascido em 19 de maio de 1953 em Kirovakan (atual Vanadzor), a maior cidade da Armênia e então parte do território da União Soviética, aos 15 anos Karapetyan foi atacado por um grupo de hooligans (um grupo organizado que pratica violência e é conhecido por ser de torcidas organizadas), que o espancaram exaustivamente, amarram um pedregulho no pescoço dele e o atiraram em um lago da cidade.

O jovem precisou se contorcer embaixo da água para conseguir pelo menos desatar as suas mãos. Em uma entrevista, ele afirmou que não teria conseguido chegar à superfície se a pedra fosse um pouco mais pesada. O episódio incentivou-o a querer aprender natação, e logo ele descobriu que tinha mais aptidão do que imaginava. 

Esse pensamento o fez seguir em direção a um rumo profissional, portanto passou a treinar diariamente, sem parar, até que conseguisse entrar para a seleção profissional armênica.

Aos 17 anos, Karapetyan subia em um pódio pela 1ª vez para receber a medalha de campeão nacional de natação do país. Infelizmente, o talento dele atraiu a inveja de treinadores que não aceitavam ver seus famosos pupilos perderem para um novato, então ele foi boicotado até conseguirem tirá-lo da seleção.

O sobrevivente

(Fonte: KRFPS/Reprodução)
(Fonte: KRFPS/Reprodução)

Não foi um momento fácil para Karapetyan, ainda mais porque nadar era algo inerente em sua vida. Porém, ele não desistiu, muito pelo contrário, determinado em continuar nadando ele passou a praticar finswimming (natação com nadadeiras). Seis meses depois, ele recebeu o título de Mestre dos Esportes da União Soviética.

Mais uma vez, esse prestígio todo trouxe sofrimento para o campeão, e de novo ele se viu tendo que lutar pela própria vida, como aquele menino de 15 anos que foi amarrado por hooligans e lançado para morrer. Em uma de suas competições, na cidade de Kiev, capital da Ucrânia, seu tanque de oxigênio foi aberto por um competidor rival para que ele não vencesse a prova.

(Fonte: Almanaque Esportivo/Reprodução)
(Fonte: Almanaque Esportivo/Reprodução)

Mesmo à beira da morte, ele nadou por pelo menos mais 75 metros prendendo a respiração e conseguiu vencer a prova. Ele não se lembra de como isso aconteceu, tanto que só soube de sua vitória já no hospital, pois desmaiou assim que colocou a cabeça para fora da água. Para aterrorizar ainda mais os seus rivais invejosos, em 1 ano Karapetyan se tornou Campeão Europeu e quebrou o primeiro recorde mundial.

No entanto, seus desafios estavam longe de acabar. Em 1974, enquanto era levado junto dos 30 membros de sua equipe para um treino matinal no clube, o motorista do ônibus perdeu o controle da direção, e, se Karapetyan não tivesse saltado de seu assento assumindo o volante, todos seriam lançados para além da beira de um penhasco.

Um ato heroico

(Fonte: Mediamax Sport/Reprodução)
(Fonte: Mediamax Sport/Reprodução)

Na manhã de 16 de setembro de 1976, Karapetyan terminou uma corrida de 20 quilômetros junto de seu irmão Kamo na orla do lago Yerevan, na cidade de Yerevan (Armênia), quando ouviu um estrondo: um trólebus com 92 passageiros atravessou a grade de proteção do canteiro e despencou a 25 metros de distância da margem do lago.

Sem hesitar, Karapetyan pulou na água e nadou até o veículo que afundava cada vez mais, diminuindo as chances de vida dos passageiros. Só que o jovem de 23 anos não sabia que suas chances também se extinguiam a cada avanço.

(Fonte: University Fox/Reprodução)
(Fonte: University Fox/Reprodução)

Ele quebrou a janela com o pé e conseguiu salvar 20 pessoas, uma de cada vez, demorando de 30 a 35 segundos entre tirá-las do trólebus e entregá-las aos cuidados de seu irmão. Após seu 30° mergulho, Karapetyan simplesmente perdeu a consciência.

O jovem acordou 46 dias depois, após um coma profundo, para receber a notícia de que não tinha sido capaz de salvar todo mundo e também que seu ato heroico gerou consequências irreversíveis. Ele contraiu uma grave pneumonia bilateral, teve seu sangue contaminado pela quantidade de esgoto que havia na água e sofreu de exaustão nervosa extrema. Esses diagnósticos colocaram ali um ponto-final na carreira atlética profissional do jovem.

Um super-homem

(Fonte: Mediamax Sport/Reprodução)
(Fonte: Mediamax Sport/Reprodução)

Devido à censura do governo, as fotos só foram divulgadas ao público 2 anos depois e demorou mais 4 anos para que um jornal pudesse citar Karapetyan como o herói. Com a sua vida e detalhes de seu ato heroico expostos no artigo do jornal Komsomolskaya Pravda, em 1982, intitulado “A batalha subaquática do campeão”, ele ficou famoso em todo o país, chegando a receber cerca de 60 mil cartas e sendo condecorado pela Ordem do Distintivo de Honra.

No entanto, quando foi questionado sobre seu ato de heroísmo, Karapetyan disse que preferia morrer do que optar por não pular naquele lago enquanto as vidas de 92 pessoas eram literalmente afogadas. Ele só sabia que era o certo a se fazer, não importava o quão difícil e perigoso fosse.

(Fonte: Rt News/Reprodução)
(Fonte: Rt News/Reprodução)

Apesar de seus diagnósticos, Karapetyan competiu mais 1 vez e quebrou o seu 11º recorde mundial: 400 metros em 3 minutos. Depois disso, o estresse pós-traumático e as lesões físicas falaram mais alto, forçando-o a se aposentar do esporte. 

Por muito tempo, ele conviveu com uma aversão pela água, tanto que chegou a esquecer o atleta que era, o qual conquistou 17 vezes o título de campeão mundial, 13 vezes campeão europeu, 7 vezes campeão soviético e 11 vezes detentor de recordes mundiais. Isso para conseguir trabalhar como um cidadão comum.

Em 19 de fevereiro de 1985, a vida lançou mais um desafio para Karapetyan, e ele estava lá para aceitá-lo. O homem estava próximo a um prédio quando houve uma explosão e o edifício entrou em chamas. Mais uma vez, sem hesitar, ele correu para começar a resgatar as pessoas. Ele sofreu queimaduras de 3° grau e foi ferido em várias partes do corpo, passando muitos dias hospitalizado.

(Fonte: ArmenPress/Reprodução)
(Fonte: ArmenPress/Reprodução)

Nesse mesmo ano, o atleta foi homenageado com um prêmio Fair Play da UNESCO. Shavarsh Karapetyan nunca tentou lucrar com seus atos heroicos, tanto que por muito tempo trabalhou como diretor em uma escola enquanto cuidava de seus 3 filhos e vivia uma vida comum. 

Atualmente, ele tem uma oficina de conserto de sapatos em Moscou chamada Second Breath. Ele provavelmente entendeu que ninguém poderia ter feito tudo o que ele fez e do jeito que fez.

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