Cansado ou cancelado? Como a neurociência explica a Cultura do Cancelamento

17/02/2021 às 03:303 min de leitura

A Cultura do Cancelamento tem se tornado um dos assuntos mais comentados dos últimos dias. Até para quem desconhecia o termo, a ideia de “cancelar” uma pessoa pela sua conduta tem se tornado mais aceitável e, em alguns aspectos, moralmente, correto. Porém, o que define quando e quem cancelar? Existe um limite, uma atitude ou uma barreira pela qual a pessoa atravessa que a conceda o castigo de ser socialmente cancelada?

O que hoje chamamos de cancelamento nada mais é do que a desistência do outro. Ou seja, quando há um sentimento triste em relação a alguém, que gera uma falta de perspectiva de que este alguém mude de conduta.

Um caso atual que ilustra essa teoria é o reality show Big Brother Brasil. Na vigésima primeira edição do programa, o cancelamento tem ocorrido dentro e fora da casa. Do lado de dentro, a maioria dos participantes cancelou o jogador Lucas Penteado, enquanto do lado de fora, seus algozes, como Karol Conká, Lumena e Nego Di, entre outros, estão sendo vítimas do cancelamento por parte do público.

Esgotamento mental

Parte dessa desistência acontece devido a um esgotamento mental. Quando há esse cansaço que culmina no esvaziamento das forças e no desaparecimento da vontade, podemos dizer que é quando começa o cancelamento.

Mesmo que de forma inconsciente, a preguiça se instala não pela falta de investimento afetivo ou irresponsabilidade na dinâmica da relação, mas pela desistência das ações que tinham por objetivo inicial a reciprocidade.

Quando chegamos a este estágio de esgotamento, significa que chegamos a um ponto sem retorno, que pode justificar a atitude de algumas pessoas dentro da casa com relação à conduta dos outros participantes.

É um sentimento praticamente irreversível e, por mais que a outra parte demonstre o interesse de mudança, já não há credibilidade nem motivação. Até quando há essa motivação, sempre existirá o receio, a sensação ansiosa e negativa de voltar a ser como era, tudo outra vez.

Como isso funciona no cérebro?

O excesso de liberação de dopamina, hormônio neurotransmissor da recompensa, necessário para a nossa sobrevivência, está sendo utilizado de forma constante e excessiva, diferentemente de como programado em nosso código genético. Isso aumenta a ansiedade, que é uma pendência que exige cada vez mais a produção deste mensageiro químico.

A ansiedade, como mecanismo de defesa, busca no sistema límbico memórias negativas para nos protegermos, mesmo que a condição não seja de perigo de vida, mas que apenas nos tragam sensações ruins. O uso da inteligência emocional para um autoconhecimento promove melhores opções para sabermos lidar com os sentimentos e emoções, manipulando assim nosso organismo para um melhor equilíbrio mental.

Quando desregulados, nossos mensageiros químicos encontram-se em desequilíbrio, resultando assim numa avaria na mensagem enviada, fazendo assim ter perdas cognitivas, resultado de comportamentos narcisistas, egocentristas e da falta da razão, ou razão abstrata.

Egocentrismo

Uma das explicações que a neurociência encontra para o esgotamento mental seria o fato de as pessoas estarem concentradas no próprio ego e obsessivas por si mesmas.

Pensam que estão com a razão e acreditam tanto nas próprias certezas que não conseguem reconhecer através da racionalidade a possibilidade de estarem erradas. Boa parte delas usa da manipulação e do ambiente para tentar entender de forma inteligente a outra pessoa ou a situação; tenta se antecipar ao que “acredita” que acontecerá; e desiste antes mesmo de começar, ou, frente às suas percepções, “antes de se machucar”.

Sem o autoconhecimento não é possível compreender o outro

“O outro sempre carrega em si aspectos que são meus, pois nossa condição humana nos coloca ora como espelho, ora como reflexo.”

Essa dialética mostra que um dos maiores problemas da sociedade moderna não é somente o egoísmo, o egocentrismo, o “achismo”, a falta de razão e a falta de educação, mas, sim, a falta de capacidade de pensar nas possibilidades.

A grande maioria das pessoas sofre por não saber administrar soluções, por não conseguir avaliar as questões, as informações e seus motivos, e por querer impor julgamentos ao fato, e julgar sem antes ser juíz de si mesmo na própria razão, é imperativo de conflito. Por isso há tantas pessoas cansadas umas das outras, sendo que, na verdade, elas se cansam delas mesmas.

O cansaço vem da indisposição em não saberem lidar com o outro, visto que pensam que os outros é que precisam se moldar a elas. Como justificativa de estarem cansadas de si mesmas, cansam-se das outras quando elas não atendem às suas expectativas egoístas.

Por fim, para que esse “caleidoscópio humano” seja rico, colorido, completo em toda a sua diversidade, é necessário que façamos conexões de forma equilibrada. Que desenvolvamos uma engrenagem relacional que nos confira a capacidade de experimentar o lado bom da vida, o bem do mundo e o melhor de nós.

***

Fabiano de Abreu Rodrigues, colunista do Mega Curioso, é Doutor e Mestre em Psicologia da Saúde pela Université Libre des Sciences de l’Homme de Paris; Doutor e Mestre em Ciências da Saúde na área de Psicologia e Neurociência pela Emil Brunner World University; Mestre em psicanálise pelo Instituto e Faculdade Gaio, Unesco; Pós-Graduação em Neuropsicologia pela Cognos de Portugal; Três Pós-Graduações em neurociência; cognitiva, infantil, inteligência artificial, Pós-Graduação em Psicologia Existencial e Antropologia, todas pela Faveni do Brasil; Especialização em Propriedade Elétrica dos Neurônios em Harvard, Neurociência Geral em Harvard; Especialista em Nutrição Clínica pela TrainingHouse de Portugal; Idealismo Filosófico e Visões do Mundo – Universidade Autônoma de Madrid, Introdução à Filosofia da Passagens Escola de Filosofia, História de La Ética pela Universidad Carlos III de Madrid, MBA em Psicologia Positiva – Autorrealização, Propósito e Sentido de Vida – PUC RS.

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