Artes/cultura
16/06/2021 às 04:00•4 min de leitura
A humanidade já presenciou diversas ocasiões em que a sede de poder ou dinheiro de uma pessoa ou de um grupo custou a vida de outros seres humanos inocentes. Ainda assim, o desabamento da Sampoong, ocorrido em 1995, na Coreia do Sul, impressiona pelas enormes ganância e teimosia de seus principais culpados.
No fim da tarde de 29 de junho de 1995, a luxuosa loja de departamentos Sampoong, em Seul, desabou. Mais de 500 pessoas morreram e quase 1500 ficaram feridas — os últimos sobreviventes foram resgatados 17 dias depois do desastre. Tudo isso ocorreu porque o dono da loja, Lee Joon, e seu filho Lee Han-Sang, se recusaram a evacuar o prédio quando as rachaduras começaram a aparecer — por medo de prejuízos.
Desabamento da loja Sampoong, em Seul, matou 500 pessoas (Imagem: Wikimedia Commons)
A verdade é que o desabamento de Sampoong é uma sequência de erros, que iniciam na construção da loja. Mas é possível encontrar uma característica em toda a cronologia do desastre: a busca incessante pelo lucro.
No final dos anos 1980, impulsionado pelo boom econômico do país e pelas Olimpíadas de Seul, diversos prédios estavam sendo construídos em todo o país. O empresário Lee Joon tinha um terreno em suas propriedades, onde antes havia sido um aterro sanitário. O projeto inicial era de um prédio residencial de quatro andares, mas Lee decidiu criar uma loja de departamentos no lugar.
Para isso, o projeto precisaria ser modificado, com a retirada de colunas de suporte para instalar escadas rolantes. Além disso, o dono da loja resolveu adicionar um quinto piso à construção. A primeira empresa de engenharia contratada para a obra alertou que essa decisão era perigosa. Em vez de ouvir os especialistas, Lee os demitiu.
Como se não bastasse retirar colunas e adicionar um piso, Lee Joon decidiu diminuir as colunas: de 80 centímetros, no projeto original, para 60. O objetivo disso era aumentar o espaço para mercadorias — e, claro, os lucros.
O quinto andar da loja de departamentos seriam uma pista de patinação no gelo — uma atividade diferente, já que o zoneamento da região não permitia que o prédio inteiro fosse uma loja de departamentos. Na última hora, Lee Joon mudou de ideia e construiu uma praça de alimentação. Como é comum que as pessoas comam no chão, na Coreia do Sul, o piso precisava ser aquecido. Isso demandou mais estrutura e, com isso, havia mais peso sobre as colunas do prédio.
Por fim, três enormes condicionadores de ar foram instalados no teto da construção, adicionando mais 45 toneladas de carga as já sobrecarregadas estruturas. Em resumo, o prédio era como um castelo de cartas esperando para cair. Mesmo assim, a loja de departamentos Sampoong foi inaugurada em 1990 e recebeu mais de 40 mil visitantes por dia nos cinco anos em que funcionou.
A loja Sampoong, ainda de pé (Imagem: INF News/Reprodução)
Em meados de 1995, algumas rachaduras começaram a aparecer no quinto andar, onde ficavam os restaurantes — mas a única reação de Lee Joon e da gerência da Sampoong foi mudar alguns estabelecimentos de local e colocar tapumes.
No dia do desabamento, 29 de junho de 1995, as rachaduras se tornaram ainda mais evidentes e impossíveis de ignorar. A gerência decidiu fechar algumas partes do quinto andar da Sampoong e os diretores saíram do prédio. Mas, quando alguém sugeriu que toda a loja fosse evacuada e fechada para reparos, o dono Lee Joon respondeu bravo: ele não fecharia a loja de forma alguma, já que o movimento era grande.
Ainda na manhã do fatídico dia, clientes e funcionários ouviram estouros vindos da parte de cima do edifício. A vibração dos pesados condicionares de ar se espalhava pela frágil estrutura, de modo que elas foram desligadas, após reclamações. Já era tarde e as rachaduras estavam cada vez maiores: era uma questão de tempo para a loja desabar por inteiro. Mesmo assim, Lee Joon se recusou a fechá-la.
Como mostra o episódio sobre a tragédia na série documental Seconds From Disaster, do National Geographic, ainda havia centenas de clientes na Sampoong menos de uma hora antes dela desabar por completo.
Exatamente às 5h52 da tarde, no horário local, mais estouros foram ouvidos e, apenas nessa hora, alarmes foram soados e as pessoas começaram a correr. Mas havia pouca chance para escapar, já que a estrutura colapsou nesse momento.
Nos dias seguintes, um difícil trabalho de resgate foi realizado, já que o resto do prédio que ficou de pé poderia cair em cima dos bombeiros, causando uma tragédia ainda maior. Durante alguns dias, a operadora Korea Telecom enviou sinais para fazer tocar os celulares dos possíveis sobreviventes. A última delas, uma moça de 19 anos chamada Park Seung-hyun, saiu dos escombros depois de 17 dias. 502 pessoas morreram.
Trabalhos de resgate após o desastre da Sampoong (Imagem: The Guardian/Reprodução)
As investigações demonstraram que a causa do desastre não poderia ser um incêndio, uma explosão do sistema de gás ou mesmo um ataque terrorista, já que todo o prédio desabou para dentro, sem jogar destroços para fora. Não demorou para o professor de engenharia Lan Chung descobrir a sequência de erros descrita anteriormente e chegar às causas do desastre: teimosia e ganância.
A frágil estrutura do prédio estava fadada ao desastre, mas o laudo demonstrou que a movimentação dos condicionadores de ar pelo teto, dois anos antes, — para atender reclamações de vizinhos, reclamavam do barulho — foi o que desencadeou todos os eventos que seguiram. Ainda assim, a direção da loja teve bastante tempo para tomar uma atitude e salvar as mais de 500 vidas perdidas no desastre da Sampoong.
Por sua negligência, o dono da Sampoong, Lee Joon, e seu filho, Lee Han-Sang, foram presos e receberam penas de sete anos de prisão. O pai faleceu pouco tempo depois de ser solto e acredita-se que o filho foi viver como pregador na Mongólia. Autoridades de Seul, que foram subornadas para aprovar o péssimo projeto da Sampoong, também foram presas e cumpriram pena. As famílias foram indenizadas.
Em reação ao desastre, as vistorias em construções na Coreia do Sul foram reforçadas, evitando novos desabamentos. A história também é um exemplo de como a ganância de uma pessoa pode custar a vida de tantas outras.