Artes/cultura
12/07/2022 às 12:00•3 min de leitura
Ainda que não seja nenhuma surpresa que muitas instituições religiosas tenham se envolvido de alguma forma com crimes e esquemas ao longo do século, é sempre curioso descobrir como isso aconteceu.
Fundada em 6 de abril 1830 pelo líder religioso Joseph Smith, em Nova York, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, crença conhecida como mormonismo, já reúne 16 milhões de membros pelo mundo, com mais de 31 mil congregações após 191 anos de história. A religião daqueles que embarcam em missões pelo mundo para recrutar novos membros, exibindo suas gravatas pretas sobre camisas brancas, até hoje é alvo de curiosidade e mistério, principalmente com relação à sua fundação.
Isso porque, nos Estados Unidos, por muito tempo, o mormonismo foi acusado de manter relações estritas com a máfia que controlava Las Vegas por ter sido o local onde o primeiro assentamento da igreja foi fundado, em meados de 1855, como forma de estabelecer um posto avançado entre as missões dos mórmons em San Bernardino e no sul da Califórnia.
Alguns mórmons, de fato, tiveram uma relação com a máfia — inclusive com o nome "máfia mórmon" sendo usado para definir esse grupo —, mas a história não é exatamente assim como você está pensando.
E. Parry Thomas. (Fonte: UNLV Library/Reprodução)
Na década de 1930, quando os mórmons compreendiam quase 10% da população de Vegas, o banqueiro E. Parry Thomas começou a emprestar dinheiro para os operadores de cassinos, ajudando a desenvolver a indústria que fatura mais de US$ 1 milhão por dia atualmente.
Vinte anos depois, no ápice atômico inspirado pela Segunda Guerra Mundial e impulsionado pela Guerra Fria, quando milhares de turistas passaram a viajar até a cidade para assistir à formação dos cogumelos das bombas detonadas pelo governo americano na Base de Testes de Nevada —, a indústria já havia se consolidado, bem como sua fama escusa com mafiosos e todos os tipos de criminosos.
Em 1966, o bilionário da época, Howard Hughes, responsável por fracassos perigosos na indústria do cinema, como o filme The Conqueror, conhecido também por seu comportamento errático e instável já no fim da vida, chegou à Vegas de trem no fim de semana do feriado de Ação de Graças e passou a morar no antigo hotel e cassino Desert Inn (fechado em 20 de agosto de 2000).
Howard Hughes. (Fonte: Pinterest/Reprodução)
Por um mês, o aviador e produtor cinematográfico não saiu de seu quarto até que o dono ameaçou expulsá-lo. Diante disso, Hughes simplesmente comprou o hotel para se manter confinando, começando ali uma corrida para comprar e tirar das mãos da máfia a maioria dos cassinos que pudesse.
Ele fez tudo isso com uma equipe de assistentes executivos e consultores mórmons, cujo líder era Frank Bill Gay. Assim surgiu a “máfia mórmon” de Las Vegas, responsável por despertar o ódio dos criminosos pelo seu poder de avanço pela cidade.
(Fonte: Daily Mail/Reprodução)
Hughes escolheu mórmons porque eles não bebiam, fumavam, jogavam ou perdiam seu tempo com nada considerado "mundano", o que significava poder confiar neles por não cederem à alarmante quantidade de dinheiro que viam diariamente, nem, principalmente, aos vícios oferecidos pela "Cidade do Pecado". Além disso, eles poderiam administrar seus negócios com a discrição e integridade que Hughes tanto prezava.
Os mórmons de Hughes tiveram papel principal no poder de influência de ideias na mente do bilionário, convencendo-o a comprar a maior quantidade de cassinos possíveis para tentar "limpar" a imagem da cidade. Tudo isso sem perder um centavo — o que era essencial —, se aproximando das políticas do governo e fazendo com que mais pessoas viajassem até a cidade para perderem seu dinheiro nas mesas e máquinas.
E. Parry Thomas teve uma participação crucial nessa etapa, pois conduziu a máfia dos mórmons pelos caminhos financeiros corretos para que nenhum comprador os enganassem com os preços de venda, além de que poderia fazer tudo permanecer em segredo. Ele também viabilizou que a cidade fosse tirada da "Idade das Trevas" ao propor uma mudança na lei do estado de Nevada que permita que as corporações possuíssem e operassem os próprios cassinos.
(Fonte: Deseret News/Reprodução)
Até 1960, apenas pessoas licenciadas podiam possuir ou operar um cassino para que o governo pudesse identificar exatamente os envolvidos, podendo, dessa forma, minimizar os criminosos na indústria. No entanto, a máfia usou homens de fachadas que escondiam apoiadores para conseguir alcançar seus meios.
No final das contas, ainda que o mormonismo sempre tenha deixado claro sua posição oposta à aquisição de dinheiro por jogos de azar, isso não impediu que eles se infiltrassem nos demais aspectos da indústria, contanto que eles não tocassem nos dados.