Ciência
21/08/2022 às 07:00•3 min de leitura
A ideia de se preparar para tempos difíceis já acompanha a humanidade desde os tempos antigos, quando era necessário, por exemplo, estocar comida e erguer reforços em uma época em que o inverno era tão avassalador que não deixava nada vivo em um rastro de quilômetros, podendo causar a morte de milhares de pessoas de uma só vez.
Mesmo quando o mundo entrou no século XX, a era em que a tecnologia floresceu em vários aspectos, até mesmo os governos começaram a encorajar as pessoas a se prepararam para adversidades, visto que a primeira metade dos anos de 1900, na Primeira Guerra Mundial, quase deixou boa parte do mundo em uma escassez que levaria à morte; na segunda metade do século, que encontrou a derradeira Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, o planeta poderia ter visto seus recursos extinguidos, o solo prejudicado para sempre e o ar irrespirável devido aos componentes radioativos e químicos destrutivos oriundos do conflito.
As campanhas para autopreservação foram massivas pelo mundo todo, encorajando os cidadãos a cultivarem até os denominados “jardins da vitória”, pensando na eventual necessidade de um racionamento de comida.
No entanto, a ideia de preparação para o pior mudou completamente e se ateve às raízes bíblicas de Noé, quando o termo sobrevivencialismo foi cunhado por Kurt Saxon em meados de 1976, ainda quando o fantasma de uma Terceira Guerra Mundial, dessa vez atômica e nuclear, ameaçava o mundo.
(Fonte: maurusone/Getty Images)
Principalmente nos Estados Unidos, surgiu a filosofia preparatória do sobrevivencialismo, inflamada pelo livro de Howard Ruff chamado Fome e Sobrevivência na América, que foi baseado nos tempos financeiros caóticos do país e usado para traçar uma linha para os conceitos fundamentais da ideia de preparação que existe hoje.
A perspectiva de um real fim de mundo foi contaminada por todos os aspectos de uma invasão, tanto humana quanto sobrenatural, principalmente porque aconteceu em um momento em que os EUA se via como “agredido” e alvo do mundo, sobretudo com o alarde causado pelos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki.
Nesse cenário, surgiram os grupos preparatórios de norte-americanos extremistas armados que acreditavam em uma invasão humana, endossavam ideias muito conservadoras – o que incluía todo o tipo de preconceito –, e posicionamento antigovernamental. Essa parcela do movimento foi responsável por manchar a filosofia do sobrevivencialismo, com a mídia lançando para a sociedade que todo o tipo de pessoa era exatamente assim.
(Fonte: Jim Lo Scalzo/EPA/Reprodução)
Por outro lado, também surgiu os preparatórios que imaginavam o fim do mundo pelo apocalipse bíblico cristão, ou pelo arrebatamento que causaria discórdia e enlouqueceria os que ficaram por alguma razão divina; ou aqueles que temiam que os EUA fossem alvo de colonização extraterrestre de qualquer natureza – uma vez que a ufologia ganhava força e o próprio governo agia de maneira cínica em casos mundialmente famosos, como o Caso Mantell.
Em meio a esse caos feito da imagem das pessoas preparatórias, a prática caiu na clandestinidade e, devido a sua natureza excêntrica e desordenada, os praticantes foram rotulados como loucos.
(Fonte: Walter Sanders/The LIFE Picture Colleciton/Getty Images)
Apesar de as décadas de 1970, 1980 e 1990 terem sido essenciais, o momento áureo e de transformação para o sobrevivencialismo aconteceu após os ataques de 11 de setembro de 2001, isso porque o governo voltou a pegar as técnicas preparatórias largadas em 1940 e 1950, cruzando caminho com uma comunidade que tentava “alertar” a todos que nada estava a salvo, e que isso não tinha em nada a ver com o fim das guerras e com a queda da União Soviética para eles.
Com a vinda do Furacão Katrina, que inflamou a base de um fim apocalíptico natural; e a Grande Recessão, que endossou aqueles que acreditavam no fim dos pilares econômicos; os eventos da primeira década do século XXI ressignificaram em alguns aspectos a ideia de preparação, deixando o campo do extremismo e passando a ser associada a um dever quase patriótico. Uma matéria da Newsweek de 2010, mostrou uma pesquisa indicando que 50% dos norte-americanos estavam pensando em sobrevivencialismo, um aumento de 18% em relação a 2004.
(Fonte: Michael Byers/The Intercept/Reprodução)
Portanto, não demorou muito para que empresas se apoiassem nesse mercado que se mostrava imensamente lucrativo, construindo bunkers apocalíticos para atender famílias básicas, mais ainda custando milhares de dólares, até aquelas que poderiam arcar com uma instalação de luxo a vários metros a baixo da terra, longe de qualquer risco.
A pandemia do coronavírus que devastou o mundo em 2020, reforçou nesse século os vínculos com a filosofia do fim do mundo, com boa parte da população adquirindo hábitos preparatórios para algo pior, desde uma onda mais mortal da doença até a escassez emergencial.
Apesar do hábito que as pessoas carregam de alucinar sobre algum tópico, talvez certos pensamentos preparatórios não estivessem tão errados, considerando tudo o que aconteceu no mundo nos últimos anos.