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22/10/2022 às 10:00•4 min de leitura
Um artigo científico publicado em 2015 por um grupo de psicólogos no National Library of Medicine, chamou atenção sobre a dessensibilização emocional e fisiológica das pessoas para a vida real e do cinema – embora este último seja uma das variáveis que não vamos considerar aqui.
Foi pesquisado que aos 15 anos, mais de 50 a 70% dos jovens nos Estados Unidos relatam ter presenciado violência ou foram agredidos durante a vida, com taxas variando conforme os tipos de violência medida. O Center for Research Excellence, de 2009, cotou que a maioria dos jovens também experimenta violência através da mídia, como televisão, e em entretenimento, por filmes e videogames.
Em média, um jovem de 18 anos observa mais de 6 mil atos de violência na televisão e no cinema em um ano. O interessante do estudo é entender como os adolescentes e adultos são expostos a grandes quantidades diárias de violência interpessoal – podendo resultar em lesões, morte ou danos psicológicos –, acabou aumentando não só o comportamento violento, como a dessensibilização emocional e fisiológica à violência após repetidos encontros com a mesma.
Ao longo do tempo, essa condição adaptativa para preservar o funcionamento normal entre os jovens diante dos níveis esmagadores de violência pode contribuir para comportamentos mais violentos, maior tolerância à violência e relações interpessoais prejudicadas, o que nos leva ao intuito desse artigo: a sociedade está ficando cada vez menos empática?
(Fonte: FreePik/Reprodução)
Hodges e Myers definiram na Enciclopédia Social da Psicologia que a empatia é frequentemente vista como a "compreensão da experiência de outra pessoa imaginando-se na situação dela".
O conceito de empatia pode ser amplo, porém se refere às reações cognitivas e emocionais de um indivíduo e às experiências observadas de outro. Ser uma pessoa empática aumenta a probabilidade de ajudar e mostrar compaixão.
“A empatia é um alicerce da moralidade – para as pessoas seguirem a Regra de Ouro [ética da reciprocidade]. É também um ingrediente-chave de relacionamentos bem-sucedidos porque nos ajuda a entender as perspectivas, necessidades e intenções dos outros”, ressalta à Greater Good Magazine.
Na nossa história evolutiva, a empatia foi observada desde os primatas, em cães e até ratos. Existe um debate sobre os dois caminhos diferentes no cérebro que a empatia tem sido associada, com cientistas especulando que alguns aspectos desse sentimento são atribuídos a neurônios-espelho – células no cérebro que disparam quando observamos alguém realizando uma ação da mesma maneira que faríamos.
Há evidências de uma base genética para a empatia, embora pesquisas sugiram que as pessoas possam melhorar, ou restringir, suas habilidades empáticas naturais ao longo da vida. E é isso que pode estar acontecendo no momento.
(Fonte: Forbes/Reprodução)
Em 2016, antes da pandemia do coronavírus promover vários desalinhamentos sociais, inclusive de caráter, expondo o quanto a sociedade se entende como um todo em momentos de crises globais – o que não era visto desde o século XX –, a pesquisa de William Chopik, publicada no jornal Cross-Cultural Psychology, da Universidade do Michigan, já elencava os países mais empáticos do mundo.
Entre as 63 nações analisadas, o Brasil foi colocado na 51º posição, apesar de seu longo histórico e fama cultural de ser um lugar de pessoas hospitaleiras – inclusive um dos motivos por não ser levado tão a sério no plano de fundo internacional.
Pode parecer um choque, mas como ressalta Débora Messemberg, professora de sociologia da Universidade de Brasília, "uma sociedade desigual não propicia relações mais humanizadas". Muito embora o Brasil tenha vendido a imagem de um país empático para o mundo, desde a colonização, passando pela escravidão, ditadura de Vargas, o Golpe de 1964, todo o tipo de esforço para apagamento sistemático, e contexto socioeconômico catastrófico –, ele se mostra muito longe disso, sobretudo nos últimos tempos.
(Fonte: Career Guide/Reprodução)
Chopik destacou que a posição no ranking de países mais empáticos pode mudar em 20 ou 50 anos. Isso se confirma, já que as pessoas estão, de certa forma, perdendo a vontade de serem empáticas.
O Dr. Daryl Cameron, PhD e professor associado do Departamento de Psicologia, descobriu que as pessoas não querem mais fazer o esforço mental para sentir empatia pelos outros, mesmo quando envolve sentir emoções positivas, desbancando um pouco a ideia comum de que elas reprimem esse sentimento porque podem estar mal no momento, ou porque não conseguem arcar com algum custo financeiro, como fazer doações.
“Quando você oferece uma mão, as pessoas geralmente pegam o braço inteiro”, disse Cameron, em entrevista à EurekAlert, fazendo uma alusão ao ditado popular que sua avó sempre lhe disse sobre ser excessivamente empático. Estudando a empatia emocional, ele percebeu que a sociedade está cada vez mais arredia por se apoiar também nesse ditado.
(Fonte: Chief Executive/Reprodução)
Durante uma série de experimentos que examinou quando e o motivo pelo qual as pessoas evitam entender ou se envolver com as emoções de terceiros, Cameron se deparou com o depoimento de muitas mulheres que alegaram terem aprendido a diminuir sua empatia.
“Minha tendência a mostrar empatia com todos, até com estranhos, me levou a relacionamentos tóxicos onde eu sabia que estava sendo aproveitada, mas não tinha coragem de criar qualquer distância. Eu estava ‘oferecendo meu braço inteiro’, muitas vezes sem ser solicitada. Muitas vezes, isso estava afetando imensamente minha autoestima, saúde mental e vida cotidiana”, disse Rajvi, uma das entrevistadas.
Vale ressaltar de que não existem evidências científicas de que as mulheres sejam biologicamente mais propensas a serem empáticas, mas sim que o fazem por expectativa de gênero imposta pela estrutura social.
(Fonte: Amen Clinics/Reprodução)
Esse fator de sobrevivência que torna a empatia uma escolha, e também faz da situação mais perturbadora, é algo que acontece há um tempo. Em 2011, um estudo com 14 mil estudantes universitários norte-americanos descobriu que eles já exibiam 40% menos empatia do que pessoas da década de 1980.
Para Cameron, a escolha acontece em muitos casos porque as pessoas perderam a capacidade de se acharem boas nisso, e o primeiro passo para a reconstrução de uma sociedade um pouco mais empática seria as pessoas diferenciarem o que é angústia empática e preocupação empática.
É provável que a Geração Z, mais engajada em assuntos atuais e, principalmente, na conscientização de tratamento para saúde mental, esteja abandonando a empatia com aqueles que não tenham um maior compromisso com o autoaperfeiçoamento, como acontece com as gerações anteriores. E talvez seja exatamente por esse motivo que a sociedade está caindo em suas próprias rachaduras.