Estilo de vida
26/10/2022 às 04:00•4 min de leitura
Devido às políticas habitacionais muito desreguladas do Japão, o número de moradias apenas cresceu ao longo do tempo, garantindo que a demanda habitacional não ultrapassasse a oferta habitacional, mantendo os preços baixos em comparação a outros países.
Muito diferente das demais nações, as moradias japonesas perdem o valor ao longo do tempo, se tornando praticamente um lixo em 20 e 30 anos após construídas. Tanto que, se alguém deixá-las antes desse prazo, ela será demolida em favor do terreno, este sim com alto valor, exatamente pela falta de espaço no país.
(Fonte: Carl Court/Getty Images)
Contudo, além de questões culturais, esse curto período de vida da habitação no Japão coexiste com a constante ameaça de terremotos e tsunamis, também responsável por mitigar os preços e fomentar um mercado onde as construções são erguidas de maneira rápida e muito barata.
Apesar de fazer delas as mais econômicas do mundo, como determinou a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os japoneses ainda gastam, em média, 22% de sua renda total em moradia.
Esses três fatores combinados deram origem a uma nova tendência: os micros apartamentos japoneses, que podem ter até 8 metros quadrados.
(Fonte: Ryusei Takahashi/The Japan Times/Reprodução)
Viver em apartamentos que parecem uma caixa de sapatos se tornou muito mais do que um estilo de vida, mas uma necessidade no Japão. Tóquio, por exemplo, possui os imóveis mais caros do mundo em sua área metropolitana, e também o título de polo em micro acomodações.
Essas habitações ficaram conhecidas como "quartos de três tatames", devido à quantidade de tapetes japoneses de tamanho padrão que podem cobrir o espaço. Elas se tornaram uma febre tão grande que a qualidade de vida, aos poucos, está se transformando em um luxo até mesmo quando o quesito é morar com o mínimo de dignidade, à medida que empresas imobiliárias que adaptam ou lançam esses empreendimentos estão cada vez mais diminuindo os metros quadrados.
É o que a incorporada imobiliária Spilytus têm feito desde 2015, investindo em acomodações minúsculas nos lugares mais badalados da capital japonesa, como Harajuku e Nakameguro, colocando-as perto de metrôs, chamando mais ainda a atenção dos jovens. Atualmente, a empresa opera 100 prédios com esse tipo de apartamento, onde moram mais de 1.500 pessoas.
(Fonte: Spilytus.co/Reprodução)
O atrativo da vizinhança, que inclui restaurantes, cafés e lojas de grife, parece valer o preço de as pessoas terem que espremer em 8 metros quadrados um frigobar, uma máquina de lavar, uma mesa de trabalho e a cama – que fica suspensa para não ocupar o espaço do piso. E para tentar ganhar um atrativo visual, a empresa moderniza as instalações com um estilo elegante, colocando pisos e paredes brancas imaculadas com arranjos eficientes para que o locatário tenha maior facilidade para encaixar sua mobília.
Associado a esses benefícios, as taxas iniciais mínimas e a falta de um calção – pagamento não reembolsável ao proprietário equivalente a três meses de aluguel –, desperta o interesse dos moradores, dos quais mais de dois terços estão na faixa dos 20 anos. No Japão, eles ganham em média cerca de US$ 17 a US$ 20 mil por ano, o equivalente a US$ 1.500 mil por mês, sendo que 22% dessa renda já é direcionada ao aluguel.
(Fonte: Ryusei Takahashi/The Japan Times/Reprodução)
Para os brasileiros, por exemplo, que tem uma visão completamente diferente de uma casa, a realidade japonesa pode parecer algo absurdo. Diferente de nós, não faz parte da cultura oriental convidar, tampouco hospedar, pessoas em sua casa, sendo que quase um terço dos japoneses dizem que nunca receberam amigos, segundo uma pesquisa da Growth From Knowledge.
Fora isso, a sociedade japonesa, dos jovens aos idosos, trabalham 40 horas semanais, e dormem em média 6 horas por noite – e isso varia muito entre as empresas, sobretudo no sistema fabril. Portanto, para muitos, a casa se torna um local apenas de descanso, e não para onde eles voltam após um dia estressante e intenso de trabalho para praticar o autocuidado como maneira de relaxar.
(Fonte: Noriko Hayashi/The New York Times/Reprodução)
Ainda pensando na realidade dos jovens, eles estão mais propensos a comer fora, geralmente em lojas de conveniência, onde pegam refeições prontas e consomem em uma bancada no canto da loja. Depois eles tomam banho em banheiros públicos, voltam para a casa e dormem. Alguns deles, como é o caso de Yugo Kinoshita, de 19 anos, que é estudante universitário e trabalha meio período montando tigelas de carne em um restaurante de rede – preenchendo seus dias com muito estudo da faculdade e saindo com os amigos. Em meio a isso, a casa se tornou apenas um local para dormir e estudar.
“Eu não moraria em nenhum outro lugar”, disse ele, que mora em uma unidade Spilytus em Tóquio, em uma entrevista ao Japan Times.
Nakama Keisuke. (Fonte: Mainichi/Akira Iida/Reprodução)
Os micros apartamentos japoneses surgiram a partir das experiências cotidianas de Nakama Keisuke, o presidente da empresa Spilytus. Quando mais jovem, ele trabalhava dia e noite, pegando o primeiro trem para o trabalho e o último para casa, levando mais de uma hora se deslocando para seu destino.
Na época, o escritório onde trabalhava ficava na movimentada região de Shinjuku, onde considerou alugar um apartamento, mas os preços não eram inferiores a 100 mil ienes, o equivalente a R$ 3 mil na cotação atual. Haviam acomodações mais baratas, porém praticamente abandonadas de tão antigas, com piso mofado e instalações combinadas de banheiro e toalete – um padrão antigo japonês, que coloca o banheiro em um quarto separado do chuveiro.
Tudo o que Keisuke queria era um apartamento barato, moderno, perto do trabalho ou de uma estação de metrô, independente do tamanho, afinal, ele passava pouco tempo em casa. Foi assim que o empresário chegou na ideia do Ququri – os micros apartamentos.
Keisuke, agora com 35 anos, apresentou um modelo de negócios para fornecer o maior número possível de quartos em um lote limitado, e o atrativo da ideia simplesmente vendeu.
(Fonte: Alamy)
Em 2020, a At Home Co., uma empresa de serviços de informações imobiliárias, perguntou a 414 trabalhadores japoneses na faixa dos 20 anos sobre o tamanho ideal de uma casa onde uma pessoa adulta poderia viver feliz. O resultado da pesquisa indicou que 53,4% dos entrevistados responderam que poderiam viver felizes em um espaço de 20 metros quadrados ou menor.
Segundo o plano básico para habitação e padrões de vida do governo japonês, o tamanho ideal para um ambiente de vida saudável é de 25 metros quadrados para uma pessoa adulta.
De qualquer forma, isso parece não importar, pois a realidade da sociedade japonesa, em face ao aumento contínuo dos altos preços dos imóveis nas regiões centrais da capital, caminha em direção a um futuro em que se conformar em viver em uma caixa de sapatos será mais que um investimento, tendência ou estilo de vida – mas a única alternativa.