Estilo de vida
02/04/2023 às 11:00•3 min de leitura
Em 1880, o alemão Heinrich Lossow pintou a tela Die Versündigung (O Pecado) retratando um padre com as mãos nos seios avantajados de uma freira, enquanto a penetrava com uma expressão de prazer inigualável. O artista conseguiu ser ferrenhamente criticado pela sociedade por seu ato de blasfêmia, bem como a Igreja, que o acusou de todos os pecados mortais possíveis.
Contudo, a tela de Lossow não era apenas fruto de sua liberdade criativa ou alguma espécie de crítica social – ainda que pudesse ser –, mas a retratação de uma das festas mais infames da história medieval: o Banquete das Castanhas, quando o mais alto escalão da Igreja Católica se reuniu no Palácio Papal da família Bórgia para se refocilar em uma noite com prostitutas, entretenimento nudista e jogos sexuais noturnos.
Papa Alexandre VI. (Fonte: Wikimedia Commons)
A Roma do século XVI foi um período de vaidade e autoindulgência, regida pela influência da controversa família Bórgia, que dominou todos os aspectos da grande cidade renascentista, ocupando todos os cargos de poder, inclusive o de papa. Alexandre VI, nascido Rodrigo Bórgia, foi o 214º papa da Igreja Católica, e o filho César Bórgia, representaram a corrupção e devassidão escancarada do período, com seus eventos sociais luxuosos para grupos privilegiados com uma lista de convidados bastante restrita.
Do século XV ao XVI, a Casa dos Bórgia, de Aragão, na Espanha, se envolveu com assuntos políticos da Igreja e ascenderam como o pilar social da época, principalmente depois que o Papa Calixto III, nascido Alfonso de Bórgia, se tornou autoridade papal e governou de 1455 a 1458. Demorou até 1492 para que Rodrigo Lanzol Bórgia se tornasse Papa Alexandre VI. Em apenas 11 anos de reinado, ele conseguiu deixar um rastro de infâmia por onde passou, sendo a noite de 30 de outubro de 1501 o ponto mais alto.
Naquela noite, os Bórgia organizaram um banquete no Palácio Papal apenas para os funcionários da Igreja Católica, com direito a todos os tipos de pecado da carne que eles repudiavam – ou deveriam.
"Die Versündigung", por Heinrich Lossow. (Fonte: von Zezschwitz/Web Archive/Wikimedia Commons)
Os anfitriões garantiram que tivesse comida durante o Banquete das Castanhas, com carnes assadas, frutas secas, todos os tipos de iguarias doces, e o melhor vinho que Roma tinha a oferecer. Enquanto faziam uma refeição em nada frugal, os convidados podiam aproveitar as 50 prostitutas inclusas na festa.
O evento ganhou a alcunha de Banquete das Castanhas porque, quando os empregados colocaram os candelabros no chão para dar início a segunda parte da noite, as cortesãs começaram a dançar sedutoramente e a se despirem enquanto castanhas eram espalhadas pelo chão. As mulheres se arrastavam pelo piso, pegando castanhas com as bocas ou com os seios, e colocando-as em suas genitálias.
(Fonte: National Gallery of Ireland/Wikimedia Commons)
O Papa Alexandre VI anunciou que aqueles que mais ejaculassem durante a festa ganhariam prêmios, como túnicas de seda e enfeites de ouro. No entanto, ainda que não ganhassem nada, apenas a festa já era o suficiente para os padres, bispos e cardeais aproveitarem.
O banquete aconteceu bem no dia do Halloween, então chamado All Hallows, uma estação de fartura e um feriado sagrado para a Igreja e relação com os mortos. Nessa época, os cemitérios eram abertos, cadáveres vestidos elegantemente e exibidos, com fazendeiros comemorando o fim de um ano produtivo onde suas despensas estavam cheias, em um espírito de abundância.
(Fonte: Everett Collection/Bridgeman Images/Reprodução)
Além do tom sobrenatural, a última ação da autoridade papal determinava o sucesso do próximo período de férias, de quem a sociedade esperava mais folia e festividade – obviamente que não nos termos que aconteceu a festa na morada dos Bórgia.
Até hoje, o Banquete das Castanhas é contestado pela Igreja Católica, cujas bases afirmam que o episódio foi uma tentativa de deslegitimar a unidade de fé e sua relevância daquele tempo.
O protonotário apostólico e mestre de cerimônias Johann Buchard foi quem escreveu o documento que denunciou a imoralidade do ofício papal, sobretudo ao redor do governo dos Bórgia, com o qual não possuía uma boa relação. Buchard colocou em cheque a natureza dúbia e imperfeita da autoridade religiosa, reforçando que os ditos "homens de Deus" – ele incluso – ainda são homens mundanos, e que estão longes de serem puros.
von Zezschwitz via Web Archive |
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