Artes/cultura
10/05/2023 às 04:00•3 min de leitura
A falta de liberdade e a ausência da aplicação prática da igualdade de gênero vivenciada pelas mulheres é algo observável em muitos países, ainda que se manifeste de formas distintas e mesmo que tenha diminuído em algumas sociedades — o que não ocorreu sem muito esforço e luta.
Entre as mulheres sul-coreanas, apesar de estarem em um local que se desenvolveu sob um modelo que privilegiou a educação e o estímulo a tecnologia no período pós-Segunda Guerra Mundial, fazendo com que hoje o país apresente índices de IDH e renda que servem de referência a outros Estados, há muitos problemas que persistem e escancaram o machismo nas relações.
Isso porque há uma série de situações e normas patriarcais, muitas delas enraizadas na sociedade, que acabam ditando como as mulheres se vestem, se comportam, com quem se relacionam, o que estudam e até mesmo com o que trabalham. Assim, em algum momento da vida, muitas delas se veem presas num ciclo que gera infelicidade e desesperança de um futuro melhor.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
E para mulheres que vivenciaram algum tipo de assédio ou violência mais grave, o cenário é ainda mais delicado, já que além do dano sofrido, não é raro que lidem com o desamparo familiar e com consequências no próprio trabalho quando buscam reivindicar sua voz, seja se divorciando; seja denunciando alguma agressão sofrida; seja ao anunciar a simples decisão de não se casar e ter filhos.
Nesse contexto bastante complexo, mesmo tendo determinados direitos estabelecidos em leis, vê-los exercidos ainda pode ser bastante penoso. Na Coreia do Sul, o feminicídio e outros crimes sexuais, incluindo os praticados com o uso de câmeras de espionagem, dão uma amostra daquilo que tem sido denunciado.
Para parte dessas mulheres, as violências relatadas se tornaram tão comuns ao ponto de gerar uma maior rejeição ao relacionamento com homens, tanto de amizade quanto de um envolvimento romântico, encarado como uma ameaça, e dando força para o Movimento 4B.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Com um viés feminista, o Movimento 4B resume abreviações de palavras coreanas que começam com bi, termo que significa não. São elas: bihon, a recusa ao casamento; bichulsan, a recusa à gravidez; biyeonae, a recusa ao namoro; e bisekseu, a recusa ao sexo.
Se sob um ponto de vista essas recusas são encaradas como radicais por parte da população, por outro, as mulheres que participam do movimento relatam sentir alívio por se desobrigarem de ter suas escolhas de vida pessoal impostas pela sociedade.
Na luta contra a ditadura da beleza, encarada como patriarcal, por exemplo, outro movimento que ganhou destaque, o “tire o espartilho”, tornou mais comum a imagem de mulheres optando por abandonar a maquiagem, usando roupas mais largas e confortáveis e até mesmo abandonando os cabelos compridos para aderir a cortes que as deixam mais à vontade.
Já em se tratando da questão da gravidez, essa decisão de não ter filhos tem se espelhado há algum tempo na sociedade, sendo motivada pela maior participação da mulher no mercado de trabalho e resultado na contínua redução da taxa de fertilidade, que despencou para 0,78 em 2022. Esse cenário, inclusive, chama a atenção do governo e corre o risco de desencadear uma crise demográfica.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Essa nova realidade mostra na prática o quanto o público feminino não está disposto a ter um filho num molde desfavorável e em relações sem equilíbrio, em que a mulher seja obrigada a abdicar da carreira para cuidar dos filhos sozinha, onde o casamento não venha acompanhado de divisão das tarefas, ou mesmo em relações que neguem autonomia, agridam sua personalidade ou ameacem suas escolhas individuais de alguma forma.
Ao mesmo tempo, a maior participação feminina nas universidades tem sido um dos destaques na Coreia do Sul. Da mesma maneira, o mercado do trabalho, caracterizado pelo forte competitivismo, também acompanha mais mulheres qualificadas disputando vagas que outrora eram majoritariamente ocupadas por homens. Mas esse avanço ainda não veio acompanhado de equiparação salarial.
Ainda assim, não há como saber se o movimento 4B ou outros que reivindiquem os direitos das mulheres seguirá ganhando força. Fato é que se antes todas essas formas de luta eram tratadas como um tabu, hoje podemos ver boa parte delas sendo expostas em diferentes meios, indo além dos filmes e nos doramas, e chamando a atenção da sociedade para a necessidade de mudar e de oferecer amparo, respeito e autonomia às mulheres.