Synanon: a reabilitação que virou um culto violento e milionário

21/05/2023 às 07:004 min de leitura

Desde que a humanidade é humanidade, o vício sempre existiu. O álcool, por exemplo, já fez parte da dieta regular de qualquer habitante médio do Império Romano, assim como o uso da Cannabis, que começou em rituais dos antigos faraós egípcios e se tornou item de luxo e status.

Para cada vício, sempre houve uma reabilitação, e toda reabilitação que surgiu, uma necessidade diferente de se tornar uma pessoa melhor. Foi nesse cenário que os cultos brotaram na segunda metade do século XX, quando o vício em drogas corroía vários aspectos da sociedade, sobretudo da indústria norte-americana de entretenimento.

(Fonte: Isis Aquarian/Source Archives/Reprodução)(Fonte: Isis Aquarian/Source Archives/Reprodução)

Família Manson, Heaven's Gate, Templo do Povo e A Família do Amor têm algo em comum: todos surgiram na Califórnia. Por isso, não é surpresa nenhuma que atualmente exista uma indústria inteira de locais turísticos em torno de cada história pontuada por todo o tipo de exploração mental e física, incluindo assassinatos.

Com esse excesso de lixo no radar, visto que cultos faziam parte da dieta californiana da década de 1970, é compreensível que um deles tenha passado despercebido pelas pessoas. O culto Synanon começou como um centro de ajuda terapêutica para tratamento de viciados até se tornar um local de abuso e violência pesadamente financiada.

O típico líder

Charles Dederich. (Fonte: Ralph Crane/LIFE Photo Collection/Reprodução)Charles Dederich. (Fonte: Ralph Crane/LIFE Photo Collection/Reprodução)

É possível também que o culto tenha passado despercebido porque ele foi um dos poucos que se tornaram um culto de nicho, apesar de hoje ser considerado uma seita. Era 1958 quando Charles Dederich, um ex-alcoólatra, criou em seu apartamento um espaço de ajuda terapêutica para viciados em drogas e álcool sob uma proposta diferente que, a princípio, ele intitulava como revolucionária – e que mais tarde realmente se destacaria.

Dederich se aproveitou de uma época em que os viciados eram amplamente descartados como "casos sem esperança" e que pouco se falava sobre termos e conceitos comuns hoje em dia, como planos de tratamento e intervenção médica. Foi dessa maneira que ele cunhou o princípio do "amor duro". Em uma modalidade que ele chamava de O Jogo, os membros do Synanon se sentavam em círculo e denunciavam às pessoas sua desonestidade, hipocrisia e segredos mais comprometedores.

(Fonte: Grey Villet/LIFE Photo Collection/Getty Images/Reprodução)(Fonte: Grey Villet/LIFE Photo Collection/Getty Images/Reprodução)

Com isso, os demais membros tentariam envergonhar seus companheiros, que depois eram pressionados a fazer escolhas incrivelmente pessoais e, por vezes, violentas, a mando de Dederich.

O homem assumiu o papel de qualquer outro líder de culto: tinha vindo de uma infância quebrada, que o levou a uma adolescência e vida adulta mais turbulentas ainda, até que finalmente conseguiu se reerguer. 

Foi prometendo sopa, café e conversa fiada que Dederich formou sua base sólida de membros, alegando ser o único que conseguia manter os viciados corretos e intimidá-los a desistir da garrafa ou da droga. Esse momento foi essencial para enchê-lo de sentimentos de onipotência e onisciência, cimentando tudo isso em sua personalidade.

Construindo um sádico

(Fonte: Fred Lyon/LIFE Photo Collection/Reprodução)(Fonte: Fred Lyon/LIFE Photo Collection/Reprodução)

Ao levar seu grupo para os fundos de uma loja abandonada em Santa Monica, Dederich cobrou uma quantia incrivelmente modesta para dois anos completos de tratamento: US$ 33. Essa pechincha conseguiu arrebanhar desistentes de outros programas, pessoas com deficiência intelectual, pessoas com mandado judicial para procurar ajuda e até os filhinhos de papai.

O que pode ter atraído essas pessoas foi o compromisso em ficar 100% limpo antes de ingressar no programa, e isso incluía dispensar medicamentos prescritos. Durante os primeiros 90 dias de tratamento, o contato com o mundo exterior era completamente cortado, e foi nesse período que os pacientes sofreram seu primeiro abuso e doutrinação por meio do Jogo de Dederich.

(Fonte: Joe Rosenthal/San Francisco Chronicle/Getty Images)(Fonte: Joe Rosenthal/San Francisco Chronicle/Getty Images)

Sob o axioma “falar sujo e viver limpo”, Synanon virou um show dos horrores que despertou o fascínio dos jovens e o apoio milionário de instituições para Dederich, que viu seu pequeno negócio se tornar uma indústria de grande sucesso financeiro, fama e aclamação nacional. Assim foi construído um sádico.

“Sou considerado um maluco megalomaníaco. Claro, isso é verdade, mas não sou tão louco assim”, disse ele em uma entrevista à Cabinet Magazine.

A queda

(Fonte: Chaz Morantz/Reprodução)(Fonte: Chaz Morantz/Reprodução)

Os métodos nada ortodoxos – com um toque do que hoje seria coaching motivacional misturado com evangelização – eram considerados modernos e ousados, e foi o que fascinou as pessoas. Dederich chegava a oferecer vantagens aos participantes, como sanduíches e cigarros de graça, e isso era considerado o "paraíso" das reabilitações.

Depois que quebrou uma garrafa de cerveja na cabeça de um jovem como parte da "terapia", o homem abriu precedente para a violência física. De repente, a terapia foi transformada em sessões de espancamentos que quase matavam os pacientes, e não demorou muito para que Dederich separasse famílias com seu tratamento. Esse foi considerado o ponto de virada de uma reabilitação para um culto.

Dederich instituiu seus Fuzileiros Navais Imperiais, uma força policial interna treinada em uma arte marcial desenvolvida por ele. Essa polícia privada acumulou mais de US$ 300 mil em armas de fogo, destinadas a "resolverem problemas" e patrulhar o terreno da instituição. Ao mesmo tempo, os membros foram obrigados a raspar a cabeça, usar uniformes e a seguir em público Dederich, que passou a pregar uma mensagem apocalíptica para que os temessem.

(Fonte: News-Herald Archives/Reprodução)(Fonte: News-Herald Archives/Reprodução)

Todos que advogaram para que as autoridades intervissem e colocassem um fim em Synanon foram coagidos e ameaçados de morte de maneira física, como Paul Morantz, que levou o comportamento do culto aos tribunais e quase foi morto por isso.

O Synanon foi perdendo a força depois que Dederich foi preso, em 1978, e conforme membros do culto foram condenados por atividades criminosas, como tentativa de homicídio, destruição de evidências, terrorismo e crimes financeiros.

Charles Dederich recebeu liberdade condicional, mas foi impedido de chegar perto de seu culto, o que significou a falência e colapso total de Synanon, que se dissolveu em 1991. Embriagado e com problemas de saúde, Dederich morreu em 28 de fevereiro de 1997, aos 83 anos, após uma série de derrames.

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