Artes/cultura
16/10/2023 às 14:00•4 min de leitura
É inegável que a Terra está cada ano mais quente, resultado direto da industrialização, do abuso dos recursos naturais e do aumento da população mundial. Inclusive, é desde meados do século XIX que as pessoas passaram a morrer de calor com mais frequência. Nos Estados Unidos de 1896, quando não havia ar-condicionado e ventiladores, em 10 dias, mais de 1,3 mil pessoas morreram de calor apenas em Nova York e seus cadáveres se decompuseram em menos de 24 horas devido à forte temperatura.
Nesse ínterim, 1.258 corpos de cavalos também se amontoaram pelas ruas da cidade, transformando-as em um cemitério fétido ao ar livre. Quem sobreviveu, não passou um dia sem desmaiar com as quedas de pressão e a desidratação. Em 2022, um estudo publicado na revista científica Nature Medicine descobriu que mais de 60 mil pessoas morreram na Europa de causas relacionadas ao calor, sendo que a The Lancet prospectou que em média 5 milhões de pessoas no mundo morrem por condições excessivamente quente ou frias.
A comunidade científica já alertou que as temperaturas globais atingiram níveis sem precedentes e, como informou o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, há um perigo imenso se as temperaturas subirem 1,5 graus Celsius ou mais na média nas próximas duas décadas.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Em um futuro em que o aquecimento global venceu em todos os aspectos, o nível do mar terá aumentado em proporções avassaladoras, bem como tempestades furiosas destruirão cidades inteiras. O calor será um dos maiores inimigos, causando incêndios descontrolados, devastando safras e colheitas, e atraindo secas severas. Os efeitos das mudanças climáticas, que já afetam nossa saúde, consumirão comunidades, a economia e a possibilidade de um futuro saudável para a nova geração.
Em meio a isso, surge uma dúvida: se a crise climática tornar as cidades inabitáveis, é possível que os humanos morem em cidades subterrâneas para escapar das consequências do aquecimento global?
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
A vida no subsolo acontece desde 1800 a.C., quando o povo da região da Capadócia, na Turquia, decidiu cavar uma cidade inteira no chão porque sentiu que não conseguia viver no ambiente climaticamente hostil e em constante ameaça de guerra.
Assim nasceu Derinkuyu, a mais antiga cidade subterrânea ainda existente, que chegou a abrigar cerca de 20 mil pessoas, fornecendo uma estrutura de escolas, casas, áreas comerciais e locais para culto. Tudo isso muito bem protegido por gigantes portas de pedra que permitiam que cada andar fosse fechado separadamente, funcionando também como uma espécie de fronteira.
Isso é só um fragmento de que a humanidade e os animais têm vivido confortavelmente no subsolo por milhares de anos, e que isso se tornou mais possível ainda com a modernização dos meios. Cerca de 60% da população de Coober Pedy, uma cidade localizada no sul da Austrália, com aproximadamente 3 mil habitantes, atualmente mora no subsolo.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Entre as décadas de 1960 e 1970, os moradores começaram a fazer buracos no chão usando picaretas e explosivos, não só em busca de opalas – a cidade é a maior produtora do minério no mundo – como também de moradia, visto que os verões escaldantes podem chegar a 52 °C e os invernos a temperaturas congelantes de 2 °C.
Os habitantes da pequena cidade perceberam que as massas de rocha e solo podem manter as temperaturas muito mais estáveis no subsolo sem a necessidade de ar condicionado ou aquecedor. Sem isso, o custo de energia seria proibitivamente caro para a maioria deles.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Engana-se quem imagina que viver no subsolo é sinônimo de uma vida primitiva, como era há milhares de anos. Em Coober Pedy, enquanto os pássaros caem mortos do céu com o calor e os eletrônicos fritam, abaixo, a maioria das pessoas desfruta de um conforto luxuoso e aconchegante.
As casas subterrâneas da cidade estão localizadas a pelo menos 2,5 metros abaixo da superfície para evitar que o telhado desapareça, e são equipadas com salas de estar grandes, jardins, áreas de lazer e até piscinas. Estar no subsolo transformou a vida de muitos, principalmente porque a escavação já rendeu uma fortuna que encontraram opalas no valor de até US$ 980 mil.
É estimado que 60% da população mundial esteja vivendo em centros urbanos até 2050, o que significa que é preciso encontrar moradia para cerca de 2,5 bilhões de pessoas até lá, sendo que a terra urbana se tornou um recurso cada vez mais limitado. Não é para menos que governos de alguns países estão pensando em alternativas para dar um jeito no problema, como fez a França com seu projeto "Reinvent Paris 2", que pedia a designers que criassem usos para terrenos urbanos atualmente não utilizados ou subutilizados.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Foi exatamente pensando na superlotação, além das condições climáticas extremas e segurança da nação, que em 2010, a câmara municipal de Helsinque, capital da Finlândia, aprovou o Plano Direto Subterrâneo, o primeiro passo para uma cidade subterrânea.
O governo de Singapura está empenhado na preservação de sua população, investindo mais de US$ 188 milhões em engenharia e pesquisa em construção subterrânea, chegando a modificar suas leis de direitos de propriedade para que todos os porões pertençam ao Estado.
O desespero está nos números. Com uma população de 5,53 milhões de pessoas compartilhando um espaço de meros 719 quilômetros quadrados, Singapura é o terceiro lugar mais densamente povoado do planeta. Ou seja, suas alternativas estão se esgotando. A cidade já construiu muito para cima, com prédios de até 70 andares, porém, com projeções para 1,5 milhão de pessoas a mais nos próximos 15 anos, as opções são tão limitas quanto o espaço.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Asmo Jaaksi, sócio do escritório de arquitetura de Helsinque JKMM, disse à revista Wired que viver no subsolo não só conserva e protege do calor, quanto pode ser um dos lugares mais seguros, à medida que a emergência climática aumenta. Mas será que é uma solução viável para lidar com o problema?
Em entrevista à LiveScience, Will Hunt, autor de Underground: A Human History of the Worlds Beneath Our Feet, ressalta que o subterrâneo é sinônimo de morte para muitas culturas. “Nós não pertencemos a esse local. Biológica e fisiologicamente, nossos corpos simplesmente não são projetados para a vida no subsolo”.
Mover vidas para baixo da terra em espaços confinados, longe da luz do dia, não é para qualquer um, e pode desencadear crises claustrofóbicas e medo extremo. Biologicamente, passar muito tempo sem exposição à luz do dia pode aumentar em até 30 horas a necessidade de sono do corpo, interrompendo também o ritmo circadiano, acarretando vários problemas de saúde, como aumento de peso, diabetes e até hipertensão.
Quanto a isso, Lawrence Palinkas, professor da Universidade do Sul da Califórnia e especialista em ambientes extremos, disse ao Popular Science: “Com o tempo, as pessoas se ajustariam a viver no subsolo e adotariam novos padrões de comportamento que lhes permitiriam viver confortavelmente sem efeitos adversos sobre a saúde e o bem-estar”.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
Os países localizados em posições vulneráveis das placas tectônicas, portanto mais propensos a terremotos, compartilham de um dos ônus em mover cidades para o subsolo. Aqueles que não sofreriam com esse problema, ainda assim estariam à mercê de inundações repentinas, fruto dos eventos climáticos extremos.
Fora isso, em um mundo em que o planeta está fervendo, morar no subsolo pode nem ser possível devido à expansão da terra abaixo, causando danos estruturais às construções.
Mas, existe a ideia de que, se a tecnologia nos levou para fora do nosso planeta, também vai possibilitar a vida nele. “Certamente, não será apenas uma questão de cavar um grande buraco no chão”, ressaltou Palinkas.
Portanto, resta saber se será possível fazer na escala que precisamos, porque transferir milhões ou até bilhões de pessoas para o subsolo requer tantos recursos, principalmente primários, que ninguém sabe ao certo se a humanidade estará preparada.