Ciência
27/11/2023 às 03:00•2 min de leitura
No mundo ocidental, a estrutura familiar tradicional de dois pais e seus filhos é considerada a norma há décadas. No entanto, um estudo recente liderado pelo antropólogo evolutivo Nikhil Chaudhary, da Universidade de Cambridge, desafia essa visão ao examinar comunidades de caçadores-coletores atuais. As descobertas levantam questões intrigantes sobre a pressão nos cuidados infantis e sugerem que a abordagem convencional pode estar fora de sintonia com nossa história evolutiva.
Acampamento Mbendjele na floresta do Congo. (Crédito: Nikhil Chaudhary / Universidade de Cambridge)
A pesquisa liderada por Chaudhary explora sociedades contemporâneas de caçadores-coletores, especificamente os Mbendjele no norte da República do Congo. Durante mais de 95% da história evolutiva, os seres humanos viveram nesse contexto, onde grupos mais amplos compartilhavam o cuidado de crianças. As descobertas revelam que, em comparação com o modelo biparental, as crianças recebem atenção de até 20 cuidadores, destacando uma possível desconexão com as práticas atuais no Ocidente.
Os Mbendjele vivem em acampamentos multifamiliares, onde uma rede de cuidadores se envolve ativamente na criação das crianças. Cada criança, em média, recebe nove horas de cuidados atenciosos de até 10 pessoas diferentes. A resposta rápida a um choro, com intervenção em apenas 25 segundos, destaca a eficiência desse sistema. Esta abordagem contrasta fortemente com a ideia ocidental de responsabilidade exclusiva dos pais no cuidado infantil.
Na sociedade ocidental os cuidados costumam ser exclusivos dos pais. (Fonte: Getty Images / Reprodução)
A pesquisa destaca que as pressões dos cuidados infantis nas sociedades WEIRD (ocidentais, educadas, industrializadas, ricas e democráticas) muitas vezes recaem exclusivamente sobre os pais. Esse foco único pode levar à exaustão e à depressão, contrastando com as práticas coletivas observadas nas comunidades de caçadores-coletores. A falta de suporte adicional e a ênfase excessiva no cuidado sensível podem ser inadequadas, sugerindo a necessidade de repensar a abordagem convencional.
Embora o estudo destaque a necessidade de cautela ao aplicar as conclusões de forma generalizada, os pesquisadores enfatizam a importância de proporcionar apoio acessível e de alta qualidade às famílias. Proporções mais elevadas entre cuidadores e crianças, juntamente com a estabilidade dos cuidadores-chave, são fundamentais para o bem-estar infantil. É preciso uma abordagem colaborativa, envolvendo decisores políticos, empregadores e serviços de saúde para garantir que mães, pais e crianças recebam o apoio necessário.
Em face das descobertas sobre os cuidados com as crianças nas comunidades de caçadores-coletores, é evidente que o modelo tradicional de família nuclear pode estar desalinhado com nossa história evolutiva. Embora a aplicação direta dessas descobertas à sociedade ocidental exija cautela, é urgente repensar as práticas de cuidado infantil. Priorizar o suporte acessível e de alta qualidade, juntamente com uma abordagem mais coletiva, pode ser crucial para o bem-estar da família, das crianças e, por extensão, de toda a sociedade.