Lesoto: o país com a maior taxa de suicídios do mundo

20/10/2024 às 09:003 min de leituraAtualizado em 20/10/2024 às 09:00

O suicídio se tornou uma doença devastadora no mundo. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostrou que cerca de 703 mil pessoas morrem por suicídio em todo mundo a cada ano, sendo que 58% das mortes são de pessoas com menos de 50 anos. Não é à toa que o suicídio é a quarta principal causa de morte em jovens de 15 a 29 anos. Apesar de ocorrer em todas as regiões do mundo, 77% dos suicídios globais, como mostrou a pesquisa de 2019, aconteceram em países de baixa e média renda.

Experiências de conflito, desastre, violência, múltiplas formas de abuso, sensação de isolamento, estressores econômicos, familiares e pessoais são alguns fatores de riscos associados a pessoas que desenvolvem ideação suicida.

Essas estatísticas e fatores explicam um pouco o motivo pelo qual Lesoto, na África do Sul, é o país com a maior taxa de suicídio do mundo.

A herança britânica 

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Lesoto é um dos únicos países da África que permanece etnicamente homogêneo. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Localizado ao leste da África do Sul, Lesoto é o antigo reino da Basutolândia, considerado um dos únicos países do continente que é etnicamente homogêneo. Possui cerca de 2 milhões de habitantes, segundo o levantamento de 2022 do Banco Mundial, e vive da agricultura e criação de ovelhas na cordilheira do Drakensberg. Praticamente 100% dependente da África do Sul, 26% do seu PIB é fruto do dinheiro enviado pelos cidadãos empregados em minas e fábricas no país.

Isso é o que salva e destrói Lesoto. Ser totalmente cercado pela África do Sul limita seu acesso a outros mercados e recursos, tornando o país não apenas extremamente codependente e vulnerável às flutuações econômicas do outro, como também limita o desenvolvimento de uma economia autônoma e diversificada.

Ainda que não fosse tão cercado, até certo ponto, o clima e geografia do país muito montanhoso seriam um impasse para a agricultura em larga escala, essencial para a construção de uma base industrial robusta. Portanto, a agricultura de subsistência se tornou a única alternativa – e também a menos produtiva. 

As oportunidades de empregos em áreas diversificadas são extremamente poucas devido ao seu setor industrial limitado, então os nativos não veem outra alternativa senão imigrar para a África do Sul em busca de melhores oportunidades.

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Dois em cada cinco jovens em Lesoto não estão trabalhando ou estudando. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Portanto, a força de trabalho acaba sendo afetada com essa debandada, enfraquecendo ainda mais um sistema educacional que enfrenta diversas questões em sua estrutura, como barreiras geográficas, financeiras, sociais e linguísticas, falta de recursos, infraestrutura inadequada e desigualdade de gênero. Esses são um dos motivos que há poucas pessoas alfabetizadas em Lesoto.

É bom, no entanto, perceber que a vulnerabilidade geográfica do país o afetou até certo ponto, pois sua completa estagnação é herança do período em que o país foi colonizado pelos britânicos, de 1868 a 1966. 

Ao longo desses 98 anos, a expropriação de terras férteis, confiscadas dos habitantes, prejudicou a agricultura local, estabelecendo pactos tão estáveis que permaneceram mesmo após a independência do país. Os britânicos favoreceram a economia de mineração e exportação, sequestrando recursos naturais limitados e tirando a chance da agricultura e do desenvolvimento local prosperarem, o que deixou o país vulnerável a flutuações globais.

Vítimas do sistema

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Segundo o Statista, 19,6% da população de Lesoto vive a denominada pobreza multidimensional. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

A população de Lesoto teve seus valores e cultura tão subjugados pelos europeus que o resgate deles levou não só a um renascimento benéfico das tradições locais, como também despertou normas culturais patriarcais. Uma delas foi a pressão nos homens para manterem uma imagem de força e controle, o que acabou levando a comportamentos violentos entre e si e, principalmente, contra mulheres.

Conforme um relatório da World Population Review, em 2022, 86% das mulheres de Lesoto sofreram violência de gênero. Apesar de as mulheres sofrerem muita violência, os homens acabam se suicidando mais pela pressão de performar o que o patriarcado exige e pelo medo da vulnerabilidade emocional e econômica, que tiram deles o título de "homem provedor".

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Quem sofre de depressão tem vinte vezes mais chances de morrer por suicídio. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

O Statista mostrou que, em 2023, cerca de 16,46% da população de Lesoto estava desempregada, uma média de 32 mil pessoas, sendo que 19,6% da população vive a denominada pobreza multidimensional. O Banco Mundial publicou também que dois em cada cinco jovens não estão trabalhando ou estudando no país.

Ensinados que homens não devem mostrar emoções como tristeza, medo ou fraqueza, ao compartimentar esses sentimentos, os desafios de saúde mental se acumulam com o tempo, gerando solidão, depressão clínica profunda, ansiedade e estresse que podem levar ao suicídio.

A agulha no palheiro

(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Segundo a OMS, 87,5 pessoas em cada 100 mil habitantes cometem suicídio todos os anos em Lesoto. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Segundo a OMS, 87,5 pessoas em cada 100 mil habitantes cometem suicídio todos os anos em Lesoto. Isso é quase 10 vezes a média global (9 a cada 100 mil) e mais do que o dobro do próximo país da lista, a Guiana, na América do Sul, onde o número é de pouco mais de 40.

Aqueles que procuram ajuda médica acabam se deparando com as barreiras que existem na saúde pública, a começar pela única unidade psiquiátrica do país não possuir um psiquiatra desde 2017. O governo, eleito em outubro de 2022, disse que está em processo de elaborar uma política nacional de saúde mental para lidar com a crise.

Um passo crucial foi Lesoto ter entrado para a lista dos Estados africanos que descriminalizaram a tentativa de suicídio, que continua sendo um crime na Gâmbia, Quênia, Somália, Sudão do Sul, Sudão, Tanzânia, Uganda, Malawi, Nigéria e Líbano. 

Agora é necessário investir em cuidados de saúde inclusivos e abrangentes que estejam disponíveis e acessíveis a todos, bem como capacitar profissionais de saúde. Mas em um país com os problemas que Lesoto possui, solucionar esse é como procurar uma agulha em um palheiro.

NOSSOS SITES

  • TecMundo
  • TecMundo
  • TecMundo
  • TecMundo
  • Logo Mega Curioso
  • Logo Baixaki
  • Logo Click Jogos
  • Logo TecMundo

Pesquisas anteriores: