Ciência
11/07/2024 às 18:00•4 min de leituraAtualizado em 11/07/2024 às 18:00
Segundo o Instituto Nacional de Estatística, cerca de 37 milhões de turistas internacionais visitaram a Espanha no primeiro semestre de 2023, dos quais 12 milhões passaram pela capital Barcelona, atraindo 12,75 bilhões de euros para os cofres públicos. Esse ano, o país já se tornou o segundo em maior número de turistas, com 85 milhões de visitantes, ficando atrás apenas da França. E essa curva acentuada em ascensão nas estatísticas é o motivo pelo qual os moradores de Barcelona estão protestando contra o turismo.
Com apenas 1,6 milhão de habitantes e seus 101 quilômetros quadrado de área, a cidade cosmopolita da região da Catalunha é a maior metrópole do Mar Mediterrâneo, localizada na costa entre a foz dos rios Llobregat e Besòs.
Barcelona se tornou uma das cidades mais modernas da Europa, um verdadeiro centro de novas tendências no mundo da cultura, moda e gastronomia, combinando criatividade dos seus artistas com respeito e cuidado pelas tradições locais.
Na última segunda-feira (8), foi matéria em diversos jornais pelo mundo a turba de 2.800 manifestantes que saíram às ruas no centro de Barcelona para denunciar os efeitos do turismo massivo na cidade. O que chamou atenção, inclusive, foi como muitos deles pararam em frente a hotéis e restaurantes e hostilizaram os turistas, disparando pistolas de água naqueles que comiam ao ar livre e pregando cartazes com os dizeres “Barcelona não está à venda” e “Turistas vão para casa”.
“O comércio local está fechando para dar lugar a lojas que não atendem às necessidades dos bairros. As pessoas não podem pagar seus aluguéis”, queixou-se Isa Miralles, uma musicista de 35 anos moradora do bairro de Barceloneta, à Agence France-Presse.
A queixa de Miralles e de tantos outros manifestantes que compareceram à manifestação tem raiz na celebração dos Jogos Olímpicos de 1992, o qual a Espanha foi sede, responsável por desencadear a primeira série de ondas turísticas que continuam se produzindo até hoje e gerando um questionável processo desenvolvimentista e especulativo na cidade.
A cidade sofreu do mesmo sintoma que várias cidades do sul europeu por onde o evento multiesportivo passou: uma espiral de desigualdades e conflitos sociais provocada pelos impulsos e interesses das elites políticas e econômicas.
Nas últimas quatro décadas, o consórcio público-privado Turisme Barcelona foi o responsável por fazer de Barcelona a cidade turística com maior afluência do planeta. Ela cresceu de 3,7 milhões de reservas em 1990 para mais de 31 milhões em 2016, sendo que a cidade possui uma média diária de 154 mil visitantes, o que a coloca com a quarta cidade europeia mais visitada. Além disso, é o primeiro destino de navios de cruzeiro do Mediterrâneo e possui o sétimo maior aeroporto da Europa, por onde passam mais de 55 milhões de passageiros por ano.
A pressão do turismo, sobretudo nas regiões centrais de Barcelona, causou a expulsão de moradores para a transformação de suas casas em alojamentos turísticos (hotéis e apartamentos legais e ilegais); a especulação imobiliária aumentou os preços de arrendamento e compra de imóveis; substituiu o comércio diário por lojas e serviços exclusivos para turistas; e causou o colapso da mobilidade e acessibilidade da cidade.
A mercantilização da vida está por trás dos protestos. Os custos de habitação em Barcelona subiram vertiginosamente, com os aluguéis aumentando 68% e os custos de compra de uma casa em 38% nos últimos 10 anos. Jaume Collboni, prefeito da cidade, anunciou em junho que proibirá o aluguel de apartamentos turísticos até 2028 para tentar combater os efeitos negativos do turismo de massa.
“Estamos enfrentando o que acreditamos ser o maior problema de Barcelona”, disse Collboni em um evento da prefeitura.
A intenção dele é acabar com as licenças dos mais de 10 mil apartamentos aprovados como arrendamento de curta duração e colocá-los de volta ao mercado imobiliário local. Em contrapartida, a Associação de Apartamentos Turísticos (APARTUR) contestou o movimento de Collboni e alegou que ele está cometendo um erro grave. Segundo a associação, isso levará a maior pobreza e desemprego, além de alimentar o mercado clandestino de aluguel de apartamentos.
Conforme dados do Conselho de Turismo de Barcelona, estima-se que aproximadamente 14% da força de trabalho da cidade esteja empregada direta ou indiretamente no setor de turismo. Isso inclui empregos em hotéis, restaurantes, agências de turismo e serviços de transporte. Aqueles que advogam contra o movimento anti-turismo alegam que a indústria criou uma gama de oportunidades de emprego, desde posições de nível básico a funções altamente qualificadas. O setor do turismo é a quarta maior atividade de criação de riqueza, respondendo por 7,3% do Produto Interno Bruto (PIB) de Barcelona.
Por outro lado, é afirmado que a especialização excessiva no turismo reduziu as oportunidades para outros setores produtivos, bem como uma crescente dependência, e que os habitantes enfrentam um setor precarizado com um dos salários mais baixos da Espanha.
Os manifestantes, no entanto, estão cientes da importância do turismo para a economia e como todos eles se beneficiam direta ou indiretamente dele; por isso, protestam contra o modelo econômico baseado no turismo de massa.
“Essa modelo nos torna mais pobres e dependentes”, disse a manifestante Nuria Suarez à Reuters.
Isabel Rodríguez, ministra da Habitação, disse que a criação do registro de imóveis de aluguel de temporada, visando limitar o número de anúncios na cidade, estará pronto até o final de 2025. Quando isso acontecer, as plataformas online terão que fornecer dados sobre os anfitriões para verificar se estão autorizados a alugar suas casas. O governo também está procurando tomar medidas para reduzir os aluguéis de médio prazo, que variam de um a 11 meses.
"O aumento do arrendamento turístico é um grande problema e estas medidas não são graves", disse Victor Palomo, líder do Sindicato dos Inquilinos de Madrid, após reunião com o ministro da Habitação.