Artes/cultura
03/09/2024 às 18:00•4 min de leituraAtualizado em 03/09/2024 às 18:00
Nos últimos anos, alguns países da Europa, mais especificamente Portugal, testemunharam um verdadeiro êxodo de brasileiros em seu território. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (atual Agência para Integração, Migrações e Asilo), um órgão português responsável por controlar a entrada no país e emitir autorizações de residência, informou que 240 mil brasileiros moravam em Portugal em 2022, sendo que esse número já chegou a 393 mil no ano passado.
O aumento de brasileiros morando em Portugal aconteceu devido à desburocratização para obter residência no país, que aconteceu por meio da automatização desse processo, facilitando sua regularização. Nos últimos anos, os brasileiros provocaram, sim, uma mudança radical no mercado de trabalho local e na estrutura da economia portuguesa. O governo local divulgou dados mostrando que, em 2022, trabalhadores brasileiros contribuíram com a quantia recorde de 669 milhões de euros para a Segurança Social (sistema previdenciário lusitano). Além disso, oito em cada dez brasileiros em idade ativa estão empregados em território luso, em meio aos mais diversos ramos de atividade.
Mas nem tudo são flores. A comunidade brasileira ainda enfrenta diversos desafios, como alto custo de moradia, dificuldade de acesso a serviços públicos, baixos salários e dificuldade de acessar o mercado de trabalho qualificado. Atualmente, o aluguel de um apartamento com um quarto em Lisboa custa por volta de 2.500 euros, sendo que o salário médio é cerca de 750 euros.
Isso resultou em uma verdadeira crise de moradia no país, forçando os migrantes a viverem em acampamentos de barracas ou em trailers. A maioria dessas pessoas tem trabalho, mas não consegue arcar com os altos valores dos aluguéis.
Esse é um dos motivos pelos quais os brasileiros estão voltando em massa da Europa.
A frase “O sonho virou um pesadelo” se tornou algo comum na boca de milhares de brasileiros que se frustraram em tentar fazer a vida em algum país da Europa. Com isso, muitos deles recorreram a programas do governo, como a Organização Internacional para Migrações (OIM) e a Agência da ONU para as Migrações, que custeiam passagens aéreas e emissão de documentos, oferecem recursos financeiros para reintegração no país de origem, além de dar assistência psicossocial para as pessoas e famílias que decidem ir embora do país para onde migraram.
Em 2023, a Agência da ONU para as Migrações apoiou o retorno de 1.661 brasileiros em 34 países, mais que o triplo de brasileiros auxiliados pelo programa em 2016. Desde esse ano, entre as pessoas que tiveram o retorno custeado, 1.316 também receberam o denominado "apoio financeiro de reintegração socioeconômico" da OIM para recomeçar em seus países.
Para alguns, o número até pode parecer baixo, mas a organização diz que as situações são avaliadas caso a caso, considerando alguns critérios, como quantidade de filhos, formação acadêmica, situação de vulnerabilidade e situação prévia no Brasil. No momento, a demanda é muito superior à quantidade de apoio que a OIM pode dar. A organização utiliza seus próprios recursos financeiros globais para viabilizar o retorno de migrantes pelo mundo e todo seu processo de reintegração.
Os brasileiros lideram as solicitações de retorno voluntário em Portugal, onde há a maior comunidade estrangeira (30,7% dos imigrantes), com 80% dos pedidos, conforme dados da OIM. Cerca de 61% dos brasileiros que retornam ao Brasil possuem idades entre 25 e 35 anos.
"O desemprego, as dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, os desafios na regularização e a situação econômica são os principais motivos citados, muitas vezes interligados, que aumentam a vulnerabilidade e o desejo de retorno ao país de origem", explicou Vasco Malta, chefe da OIM em Portugal, em matéria à BBC.
Na Irlanda, 44% dos pedidos de retorno foram de brasileiros, um total de 71 de 161 solicitações, entre aquelas feitas pela OIM ou pelo programa financiado pelo governo irlandês. Na Bélgica, os brasileiros foram responsáveis por 43% dos pedidos de retorno em 2023. Dos 2.308 pedidos, 995 foram feitos por brasileiros, conforme dados do governo belga em parceria com a OIM. No Reino Unido, a comunidade brasileira está em terceiro lugar entre as nacionalidades que mais solicitaram o retorno ao seu país pelo programa do governo, com 12% do total, ficando atrás dos albaneses (20%) e indianos (15%).
“Me deparei com a falta de moradia e aluguéis exorbitantes. Chegaram a me pedir 3 mil euros de caução, e ainda desligavam o telefone na minha cara quando percebiam que eu era brasileiro”, disse Silas Silva Mello, de 32 anos, que decidiu se mudar para Portugal em abril de 2022, em entrevista à BBC.
Formado em Marketing por uma universidade brasileira, o sonho de Silas era se estabelecer financeiramente na Europa para enviar dinheiro as suas duas irmãs e pagar também as prestações de um apartamento na planta que havia comprado em São Paulo. A realidade é que, após oito meses, ele voltou ao Brasil frustrado e endividado.
Sem visto de trabalho, como a maioria dos migrantes brasileiros em Portugal, Silas enfrentava uma jornada exaustiva, sem folgas nos finais de semana, para receber um salário de 850 euros que sequer era suficiente para se manter no país, tampouco cobrir o que precisava no Brasil.
“Eu estava desesperado, já estava me alimentando de sopa no centro de acolhimento e com contas para pagar no Brasil”, desabafou ele. Silas disse que o que viveu lá, não deseja a ninguém.
O caso de Geyse Ribeiro da Silva, de 27 anos, foi um pouco diferente de Silas. A jovem sabia o que podia esperar antes de tomar a decisão de se mudar do interior de Goiás para Lisboa, porque sua mãe já morava no país lusitano há 3 anos. Geyse conseguiu trabalho por dia cuidando de idosos e fazendo faxinas, enquanto o marido foi trabalhar em construção civil. Por outro lado, ela encontrou dificuldades para matricular suas filhas na escola.
“Eles diziam que não tinham vaga ou que não podiam nos atender por causa do nosso endereço. Ninguém ajudava”, confessou ela ao Estadão.
Rapidamente, o empecilho se tornou um desespero para todos, afinal, para conseguir ter a vida que esperava quando se mudou para o país, precisava de um emprego melhor ou pegar mais horas. Para isso, suas filhas de 10 e 4 anos deveriam estar matriculadas em uma escola.
Mesmo quem se prepara para migrar de país deve enfrentar algum tipo de dificuldade, desde conseguir custear seu sustento até lidar com o preconceito. Apesar disso, os especialistas duvidam que a onda migratória esteja perto do seu ápice. Muitas pessoas ainda deixam o Brasil iludidas por declarações em redes sociais e recortes de experiências pessoais, sem conhecer exatamente a realidade e ter considerado os pontos positivos e negativos de arriscar a vida em outro país.