Artes/cultura
13/12/2019 às 14:00•5 min de leitura
A história de Robert Clarence Dunbar, “Bobby”, nascido em abril de 1908, começou quando os seus pais, Lessie e Percy Dunbar, decidiram escapar um pouco das altas temperaturas de onde moravam em Opelousas, no estado de Louisiana. Numa época em que não existia ar-condicionado, a única maneira de conseguir sobreviver ao mormaço do verão era procurando refúgio em lagos, rios ou riachos fora da cidade, e foi exatamente o que a família decidiu fazer.
No dia 22 de agosto de 1912, Lessie e Percy Dunbar pegaram os três filhos e viajaram até o Lago Swayze, situado em St. Landry Parish, onde costumavam passar os fins de semana em uma cabana que os pertencia na área de acampamento. A manhã de uma sexta-feira, 23 de agosto, começou com um lindo dia ensolarado e a promessa de que a família toda se divertiria, e assim o fizeram.
Mais tarde, quando já anoitecia, Percy Dunbar deixou a sua cabana para trabalhar em um projeto e depois decidiu se juntar a um grupo de amigos que estavam pescando não muito longe de onde ele estava acampado com a família. Quando o homem voltou para a sua cabana, a primeira imagem que se deparou foi de Lessie envolta em perturbação e com os seus outros dois filhos mais novos ao seu redor. Ela então deu a terrível notícia:
Bobby Dunbar, o primogênito deles de apenas quatro anos de idade, havia desaparecido.
Rapidamente, o casal procurou as autoridades e uma busca massiva teve início. A princípio, os policiais e até mesmo Percy e Lessie Dunbar temiam que Bobby tivesse escorregado e caído dentro do lago, por isso boa parte da equipe se concentrou em inspecionar a água. Em menos de 24 horas, a hipótese de um afogamento começou a ser repensada quando encontraram o boné do garotinho em meio as árvores e num ponto muito afastado das margens perigosas do lago.
A pequena cidade ferveu de empatia pelo desespero dos pais, principalmente de Lessie, que ficou doente de culpa e sentia como se tivesse matado o próprio filho por conta de seu leve descuido. Solidarizados, centenas de voluntários começaram a surgir para ajudar a encontrar qualquer pista que pudesse determinar o paradeiro de Bobby. Em duas semanas de caçada, eles conseguiram encontrar apenas algumas pegadas ao longo dos trilhos da ferrovia, o boné de Bobby e um de seus sapatos.
Desesperados em eliminar por definitivo qualquer sombra de dúvida ou possibilidades, eles decidiram dinamitar o lago para ver se o corpo do garotinho estava enroscado na lama acumulada no fundo, visto que o Lago Swayze era uma espécie de pântano, com muita alga e terra. Contudo, a única coisa que boiou foi a carcaça mutilada de um cervo.
Embora a polícia estivesse chegando à derradeira conclusão de que Bobby havia caído e se afogado no lago, ou de alguma maneira se perdido na floresta cerrada nas cercanias do local, o casal ainda estava convencido de que o filho estava vivo. Percy apostava em um sequestro e estava tão determinado a descobrir que chegou a oferecer uma recompensa de U$1.000 a quem pudesse ter visto o pequeno Bobby ou até o encontrasse.
Em oito meses, com a esperança dos pais extremamente fragilizada, o desaparecimento de Bobby Dunbar já havia se tornado um caso nacional, com a foto dele estampada em milhares de jornais e revistas espalhadas por outras partes dos Estados Unidos. Ainda assim, tudo apontava para um beco sem saída de falta de informações.
Até que no dia 21 de abril de 1913, as autoridades entraram em contato com Percy e Lessie Dunbar com a notícia surreal de que haviam encontrado uma criança em Foxworth, Mississipi, durante uma blitz policial numa rodovia, cujas características físicas batiam com as de Bobby. O garoto estava acompanhado de um homem chamado William Cantwell Walters, natural da Carolina do Norte.
Imediatamente, o casal viajou de trem para o Mississipi em busca de confirmar a identidade do garoto. Depois de passar dois dias fazendo perguntas e examinando detalhadamente o corpo do menino para comparar marcas, os pais chegaram à conclusão que aquele de fato era o Bobby deles, principalmente com o filho mais novo, Alonzo, reconhecendo o irmão. Ainda que nem mesmo Bobby tenha atendido pelo próprio nome quando foi chamado pela família, os oficiais decretaram que a criança estava livre para embarcar no primeiro trem de volta à sua vida.
Enquanto isso, porém, durante o interrogatório do possível sequestrador, William Walters, uma história diferente era contada. Segundo o homem, aquela criança era o filho legítimo de uma mulher chamada Julia Anderson Floyd, que trabalhava na casa de sua família, e que havia permitido que o filho estivesse com ele. Mas a polícia não acreditava em sua versão, afinal de contas os pais haviam reconhecido o garoto.
Não demorou muitos dias para que Julia Anderson fosse informada e viajasse de Barnesville, na Carolina do Norte, até Louisiana para reclamar que aquele Bobby que haviam reconhecido, na verdade se tratava de seu filho, Charles Bruce Anderson.
A polícia resolveu dar a Julia o benefício da dúvida e permitiu que ela identificasse o garoto, porém o fato de ela ter levado mais do que imediatamente para reconhecer o próprio filho quando ficou frente a frente com este, foi o suficiente para as autoridades terem certeza de que ela era uma impostora e mentirosa. Julia tentou persuadi-los dizendo que não via o garoto há trezes meses, embora, em depoimento, tenha dito que havia o entregado para Walters por apenas dois dias de viagem.
O caso foi levado ao tribunal e, desde o princípio, nenhuma condição estava favorável à Julia Anderson. Ela havia tido três filhos sem uma relação estável — o que era algo malvisto para a época —, sendo que foram erguidas fortes acusações de que um deles era de seu chefe, o pai de William Walters. Em adição a isso, havia também a indiscutível questão de que Julia não havia feito nada enquanto os 13 meses que o menino ficou desaparecido na companhia de William.
Julia Anderson seguiu alegando que a criança era sua e que estava sendo sequestrada pelos Dunbars ao ser mantida com eles. O juiz, no entanto, concedeu a tutela legal e total do garoto a Leslie e Percy Dunbar. Enquanto considerou William Cantwell Walters culpado por sequestro — crime de altíssima gravidade em Louisiana naquele tempo — e chegou a ficar preso por dois anos.
O garoto foi criado como Bobby Dunbar durante toda a sua vida. Quando adulto, ele deu entrevistas a vários jornais contando como a sua infância foi incrível, apesar daquele pequeno transtorno que passara ainda pequeno. Bobby disse que se lembrava de quando foi levado por Walter e todos os meses que passara longe da família, com Julia e William repetindo constantemente que ele não era filho de Percy e Leslie, de que ele era um Walter. As memórias eram poucas e não muito claras por conta do tempo, mas ainda ecoavam no fundo dele.
O homem acabou se casando, teve quatro filhos e, depois de sepultar os pais, foi a sua vez de acolher a morte em 1963, sendo deitado em seu túmulo sob o nome de Robert Clarence Dunbar.
No ano de 2004, o filho de Bobby, Robert Dunbar Jr, sabendo de toda essa herança familiar e depois de muito tempo convivendo com algumas dúvidas, se uniu ao seu primo, o filho de Alonzo Dunbar, e finalmente realizaram um teste de DNA. O resultado definiu de que os dois homens não possuíam nenhum grau de parentesco. Bobby Dunbar não era Bobby Dunbar, mas na verdade Charles Bruce Anderson.
Por gerações, um lado da árvore genealógica havia enraizado suas histórias familiares em um grande e irreversível erro. As perguntas se empilham: o que aconteceu com o verdadeiro Bobby Dunbar naquela noite de 23 de agosto de 1912? Ele se afogou e foi devorado por crocodilos no Lago Swayze? Leslie e Percy Dunbar fizeram algo de errado e usaram disso como uma grande fachada para encobrir um possível crime? Afinal, de onde vieram as memórias de “Bobby” a respeito de um sequestro por parte dos Walters que não existiu?
A única certeza de tudo isso é de que Julia Anderson foi enterrada depois de anos em profunda depressão sabendo que só havia falado a verdade, apesar de tudo.