Artes/cultura
09/11/2021 às 10:13•2 min de leitura
Relacionada às práticas habituais que mais estimulam o trabalho cerebral, a leitura é uma poderosa ferramenta de apoio ao pensamento crítico e à capacidade analítica, especialmente quando tratada como estudo e aplicada com os devidos métodos de aprendizado. Agora, em uma época que tanto se discute as facilidades digitais e suas consequências na vida das pessoas, o ato de ler para além das inferências superficiais surge como uma forma de estabelecer vínculos mais profundos com o mundo e o próprio ser, destacando-se em meio às plataformas de promoção de conteúdo.
Nos últimos anos, com a ascensão dos meios virtuais, o mundo sofreu uma completa revolução cultural, em especial no meio literário, onde as plataformas digitais estão cada vez mais comprometidas em entregar materiais que democratizem o acesso. Dessa forma, os audiolivros, a leitura fragmentada, as novas propostas de gêneros da arte e as fontes inéditas de distribuição alavancaram as oportunidades que as pessoas podem encontrar em relação ao acesso.
(Fonte: Medium / Reprodução)
Porém, toda essa radicalização no cenário tradicional de livros, revistas e jornais vem preocupando cientistas e estudiosos da área, que acreditam haver um déficit na capacidade de abstração individual do raciocínio de pessoas que investem seu tempo na leitura virtual. Essa perda teria relação à dificuldade dos leitores em se conectar ao estado "profundo", em que as mensagens dos mais diversos gêneros de materiais escritos permitem a transformação social e individual por meio dos estímulos das partes do cérebro.
"Quando lemos em um nível superficial, estamos apenas obtendo a informação. Quando lemos profundamente, estamos usando muito mais do nosso córtex cerebral", explicou a neurocientista Maryanne Wolf. "Leitura profunda significa que fazemos analogias e inferências, o que nos permite sermos humanos verdadeiramente críticos, analíticos e empáticos", ela disse.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Evolução da Leitura na Era da Digitalização (E-READ), as pessoas estão reduzindo o tempo gasto na leitura de textos longos para investir em conteúdos fragmentados e bem mais curtos, incentivando o cérebro a "reaprender" a ler e a emitir sensações que se adaptem a novos modelos de visualização. Com o tempo, as habilidades humanas de ler textos robustos e desafiadores passam a ser substituídas pela prática de recortes, algo que pode trazer deficiências na absorção da mensagem e em uma consequente superficialidade de entendimentos mais complexos.
(Fonte: KQED / Reprodução)
O resultado é imediato. Nas redes sociais e em livros mais modernos, é possível observar que os poemas, por exemplo, estão substancialmente mais curtos e entregam pensamentos em duas ou três linhas, muitas vezes vagos e sem a subjetividade característica do gênero. Enquanto isso, os contos se submeteram a poucas páginas e os romances incorporaram características de novelas, evitando descrições labirínticas e expressões prolixas, evidenciando um impacto não apenas na capacidade interpretativa do cérebro, mas também na própria escrita dos autores.
"Em vez de percorrer um trajeto dorsal [...], a leitura passa a se deslocar por um caminho ventral, mais rápido e eficiente. Como o tempo depreendido e o gasto de energia cerebral são menores, um leitor fluente será capaz de integrar mais seus sentimentos e pensamentos à própria experiência", escreveu Wolf, reforçando a importância do pensamento analítico e da leitura profunda. "O segredo da leitura está no tempo que ela libera para que o cérebro possa ter pensamentos mais profundos do que antes", explicou a especialista.