Artes/cultura
25/11/2021 às 11:13•2 min de leitura
Será que é possível herdar traumas de nossos pais? De acordo com algumas das mais recentes descobertas científicas, isso pode acontecer. As evidências sugerem que eventos traumáticos podem alterar como os genes transmitem informações entre uma geração e outra.
Para entender como os traumas dos pais podem afetar os filhos, é preciso olhar para a epigenética. Essa área do conhecimento humano é uma ciência que tenta compreender as particularidades envolvendo alterações reversíveis na expressão gênica; isto é, como determinados fatores podem modificar a maneira como os genes são lidos, sem que o DNA tenha sido alterado.
Epigenética pode ajudar a explicar se traumas dos pais afetam os filhos. (Fonte: Shutterstock)
Os sobreviventes do Holocausto e seus filhos, indivíduos que nasceram de pais que viveram o Inverno da Fome Holandesa, assim como os filhos dos soldados confederados que foram prisioneiros durante a Guerra Civil Americana, serviram de ponto de partida para os estudos.
A suspeita de que poderia haver algo de errado com esses grupos começou quando algumas análises indicavam que os filhos e netos das pessoas que sofreram com eventos traumáticos como os citados apresentavam taxas mais altas de vulnerabilidade a algumas doenças, bem como de mortalidade maior que o resto da população. Ou seja, havia a possibilidade de existir um elemento entre as gerações.
No entanto, essa suspeita começou a ser investigada seriamente há apenas 10 anos, quando um grupo de pesquisadores publicou um estudo sobre o Inverno da Fome Holandesa — período no fim da Segunda Guerra Mundial em que os nazistas bloquearam o fornecimento de alimentos, fazendo com que boa parte da Holanda passasse fome.
Entre os libertados, as grávidas e seus bebês foram os mais impactados. Os cientistas descobriram que os bebês que estavam no útero de suas mães nessa época tendiam a pesar mais do que a média.
A ciência ainda busca entender a relação dos traumas entre gerações. (Fonte: Shutterstock)
Como as mães dessas crianças estavam sofrendo com a fome, o organismo delas deu um jeito de silenciar automaticamente um gene específico relacionado com a queima de gordura em seus filhos durante a gestação. Isso permitiria que os bebês tivessem alguma reserva energética quando nascessem.
Porém, quando essas crianças chegavam à meia-idade, apresentavam níveis mais altos de LDL (colesterol ruim) e de triglicerídeos. Elas também sofriam com taxas mais altas de esquizofrenia, doenças do coração, obesidade e diabetes.
Quando os cientistas começaram a estudar o motivo de isso acontecer, acabaram descobrindo uma marca química (assinatura epigenética) nos genes dos filhos, associada às situações estressantes vividas por seus pais.
É claro que há estudos mais discutíveis que outros. Por exemplo, a Escola de Medicina do Hospital Mount Sinai (EUA) realizou uma pesquisa em 2015, por meio da qual se descobriu que os filhos de sobreviventes do Holocausto apresentavam mudanças epigenéticas em um gene relacionado à quantidade de cortisol no organismo. Esse hormônio desempenha um importante papel na regulação do estresse.
Saber que podemos transmitir as consequências negativas de um trauma para nossos filhos, mesmo que sejam mínimas, mudaria uma série de aspectos, desde a medicina, passando pela saúde mental até a maneira como decidimos viver.
Apesar de ser tudo muito interessante, ainda não é possível afirmar nada categoricamente. Mais estudos precisam ser feitos para determinar com clareza os efeitos dessas marcas químicas, até que ponto elas podem ir ou se podem ser revertidas.
Contudo, o alerta é válido, especialmente considerando o momento atual de pandemia, em que uma das maiores preocupações para o futuro é com os traumas na saúde mental que milhões de indivíduos poderão apresentar.