Mifepristona: a polêmica sobre a 'pílula do aborto' nos EUA

22/05/2023 às 09:003 min de leitura

Pelo menos nos Estados Unidos, foi a partir da segunda metade do século XX que o aborto se tornou uma questão a ser debatida. Isso começou em 22 de janeiro de 1973, quando a Suprema Corte decidiu no caso Roe vs. Wade que o acesso à prática era protegido pelo Estado.

Essa decisão teve um impacto ambivalente, pois ao alimentar o movimento antiaborto, também o congelou. Antes de Roe, ativistas antiaborto operavam apenas ao nível estadual, sendo que politicamente era uma questão bastante bipartidária. Muito diferente de agora, os evangélicos brancos não se mobilizaram contra a decisão porque não consideravam uma questão religiosa e estavam mais preocupados em defender a segregação racial em instituições evangélicas, como a Universidade Bob Jones. 

Randall Balmer, professor de religião da Universidade Dartmouth, chama de "mito do aborto" a ficção de que a gênese do movimento antiaborto começou na direita religiosa.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

A direita evangélica absorveu o movimento antiaborto ao ser inflamada pelo ativista conservador Paul Weyrich, em resposta às tentativas da Receita Federal em rescindir o status de isenção fiscal dos centros de segregação e de suas políticas racializadas. Uma vez que o racismo não seria o suficiente para energizar a base de eleitores evangélicos, o roteiro foi invertido e passaram acusar a intromissão do governo em seus assuntos como ataque à liberdade religiosa. Tudo ocorreu às vésperas da eleição presidencial de 1980 de Jimmy Carter.

Atualmente, a Suprema Corte interviu em um caso que tentava proibir o uso protegido por lei da Mifepristona, considerada a pílula do aborto.

Um enredo de mentiras

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Desenvolvido por pesquisadores franceses na década de 1980, o remédio mifepristona tornou-se disponível nos EUA apenas em meados dos anos 2000, sendo elencado na Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial da Saúde. Demorou até 2017 para que o remédio fosse aprovado no Canadá.

A combinação da mifepristona com outro medicamento chamado misoprostol interrompe uma gravidez com até 10 semanas de gestação (70 dias ou menos desde o primeiro dia do último período menstrual) ao bloquear a produção de progesterona no organismo da mulher, um hormônio essencial para continuar a gravidez.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

A polêmica ao redor de seu uso começou em abril desse ano, quando um juiz federal texano, Matthew Kacsmaryk, suspendeu a aprovação do medicamento pela Food And Drug Administration (FDA) depois que um grupo antiaborto de profissionais da saúde processou a agência alegando que o medicamento não era seguro. Essa foi a primeira vez na história dos EUA que um tribunal desconsiderou a determinação da FDA sobre a aprovação de uma droga, apesar de outras organizações de saúde, como a Associação Médica Americana, alegarem que o medicamento é seguro e eficaz para a mulher.

Contudo, o tribunal determinou que a FDA apressou a aprovação da mifepristona, não considerando adequadamente seus efeitos colaterais. 

O problema ganhou repercussão internacional quando a Suprema Corte entrou em ação depois que o governo de Washington apelou para o Tribunal de Apelações do 5º Circuito, com sede em Nova Orleans. Lá, o juiz concordou em manter o medicamento no mercado sob a restrição de que só poderia ser usado nos primeiros sete dias do diagnóstico da gravidez.

A decisão

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a Danco Laboratories, fabricante do remédio, recorreram à Suprema Corte para que intervisse e revogue essas restrições enquanto o recurso está sendo considerado pelo tribunal inferior. Foi argumentado que mudar as regras da FDA implicaria em um caos significativo para pacientes, prescritores e o sistema de prestação de cuidados de saúde.

Apesar do conservadorismo em seu sistema, a Suprema Corte emitiu a decisão permitindo que o medicamento permaneça no mercado sem nenhuma restrição imposta pelos tribunais de primeira instância ao longo do país.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

É importante ressaltar que por mais de 20 anos de uso, todas as organizações médicas tradicionais confirmaram que ambos os remédios são seguros. Os estudos indicam que o regime de medicação em duas etapas é cerca de 95% eficaz para interromper a gravidez e requer acompanhamento médico adicional em menos de 1% dos casos. 

A FDA divulgou anos de relatórios que indicam que há cinco mortes por milhão de usuários do remédio. Em 2001, o Journal of the American Medical Association descobriu que mais pessoas morriam devido a uma reação alérgica à penicilina do que ao remédio.

A criminalização pública da mifepristona faz parte de uma campanha dos ativistas antiaborto, que chamam o remédio de "aborto químico".

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