Artes/cultura
18/07/2024 às 10:00•2 min de leituraAtualizado em 18/07/2024 às 10:00
Imagine viver na Europa Neolítica, cerca de 8 mil anos atrás, e precisar de uma cirurgia no crânio. Parece coisa de filme de terror, mas a trepanação era uma prática comum entre os antigos europeus. Estudos recentes revelam que muitos sobreviviam a essa cirurgia brutal, demonstrando habilidades cirúrgicas surpreendentes para a época.
A trepanação consistia em perfurar o crânio para tratar uma série de condições. A técnica, utilizada em várias partes do mundo, envolvia a criação de buracos no crânio, que podiam variar de largura, a depender do que se pretendia curar.
Antes se achava que, devido à falta de ferramentas, remédios e técnicas adequadas, esse método de cirurgia levasse boa parte dos pacientes à morte. Contudo, os estudos mais recentes vêm cada vez mais mostrando que a realidade não era essa.
No Musée de l'Homme, em Paris, arqueólogos analisaram 41 crânios (de uma coleção de 159) com até 8 mil anos e encontraram evidências de trepanação com resultados bastante interessantes. Os pesquisadores, usando um paquímetro digital, descobriram que os buracos variavam entre 2,95 e 5,43 centímetros. Isso já soa invasivo o suficiente, mas alguns casos excediam os 10 centímetros.
Curiosamente, a maioria dos crânios estudados apresentava sinais de cura, indicando que muitos pacientes sobreviveram à operação. Essa alta taxa de sobrevivência sugere um nível avançado de habilidade dos cirurgiões neolíticos. Eles provavelmente esterilizavam suas ferramentas de pedra e usavam plantas com propriedades analgésicas e antibióticas para ajudar na recuperação dos pacientes.
Mas por que nossos ancestrais se sujeitavam a um procedimento tão arriscado? Acredita-se que a trepanação fosse realizada para aliviar a pressão intracraniana causada por lesões ou doenças, semelhante a algumas práticas cirúrgicas modernas.
Além disso, há a hipótese de que o procedimento era realizado por razões espirituais. No século XIX, o neurologista Paul Broca alertou ao fato de que muitas pessoas acreditavam que as convulsões eram causadas por demônios presos no crânio, de modo que a perfuração era um meio de livrar o indivíduo dos entes malignos.
A trepanação não era exclusiva da Europa. Crânios trepanados foram encontrados em diversos continentes, da América do Norte à América do Sul, e da Rússia à China. No Peru, por exemplo, a prática era comum entre 200 e 600 d.C., continuando até o início do século XVI. Na China, a trepanação também era amplamente praticada.
Como nem tudo são flores, há registros de trepanações que falharam. Em um caso, uma mulher medieval grávida, que provavelmente sofria de pré-eclâmpsia, teve um buraco de 4,6 milímetros perfurado em seu crânio para aliviar a pressão intracraniana. Infelizmente, ela e o feto não sobreviveram. Essa história destaca os riscos envolvidos e a coragem daqueles que se submetiam ao procedimento.
Hoje, a trepanação evoluiu para a craniotomia, um procedimento mais seguro e preciso. Cirurgiões modernos removem um pedaço do crânio para acessar o cérebro e tratar condições como tumores e lesões cerebrais, recolocando o osso posteriormente (enquanto isso, o osso fica preservado em alguma parte do corpo, geralmente na barriga, por conter mais gordura).
O fato é que a trepanação neolítica oferece uma fascinante visão da história da medicina e da resiliência humana. Mesmo com limitações tecnológicas, nossos ancestrais criaram mecanismos eficazes para tratar problemas graves de saúde, destacando a engenhosidade e coragem de quem viveu há milhares de anos.