Estilo de vida
17/11/2020 às 15:00•4 min de leitura
Em meados de 1953, o cientista James Lovelock foi o primeiro que teorizou sobre a possibilidade de submeter um corpo morto ao congelamento criogênico. A partir da criopreservação de roedores, ele relatou que os animais podiam ser congelados com 60% da água do cérebro cristalizada em gelo sem gerar efeitos adversos, embora outros órgãos tenham se mostrado suscetíveis a danos. O estudo fez com que outros cientistas congelassem ratos e depois o revivessem, sem dano significativo aparente.
A criopreservação foi aplicada em humanos a partir de 1954 por meio de 3 gestações que foram resultados de inseminações de espermatozoides previamente congelados. No entanto, um corpo humano inteiro só foi congelado em 1967. James Bedford, professor de psicologia de 72 anos, foi submetido ao procedimento poucas horas após sua morte, causada por um câncer renal, na esperança de um futuro renascimento.
Legalmente, o congelamento criogênico de uma pessoa só pode acontecer se ela tiver sido declarada morta. A partir desse laudo, o processo deve começar o mais rápido possível após a morte clínica para evitar danos cerebrais.
Sendo assim, primeiro o cadáver é resfriado em um banho de gelo que tem o intuito de reduzir gradualmente a sua temperatura, para não causar nenhum choque térmico e afetar o comportamento celular. Em alguns casos, pode acontecer de serem feitas reanimações cardiopulmonares (RCP) para evitar que as células cerebrais morram.
Depois, os médicos iniciam o processo de drenagem de todo o sangue do corpo e aplicam um fluído anticongelante criado para impedir a formação de cristais de gelo. Então, o cadáver é envolto em gelo e transferido para uma das três instalações da Cryonics Institute, nos Estados Unidos, ou para a KrioRus, na Rússia. Uma vez lá, ele é transferido para uma espécie de saco de dormir e resfriado por gás nitrogênio a -110 °C durante várias horas.
Nas semanas seguintes, eles iniciam o processo de congelar muito lentamente o corpo até que ele atinja a temperatura de -196 °C. Em seguida, ele é cercado por nitrogênio líquido e transferido para uma espécie de baia, onde permanece por tempo indeterminado.
Muitas instalações de criogenia trabalham com o método de neurocriopreservação, que consiste no congelamento apenas da cabeça do cadáver. O processo existe porque cientistas sustentam a tese de que no futuro um novo corpo pode ser clonado ou regenerado e a cabeça seja anexada a ele.
A chinesa Zhan Wenlian nunca acreditou que a morte era o fim de tudo, tampouco seu marido, Gui Junmin. O câncer que se manifestou no pulmão da mulher não minimizou essa sua convicção, muito pelo contrário, só fez ela insistir que seu corpo fosse doado à Ciência depois que ela morresse, para que cientistas pudessem extrair algo dele que beneficiasse os avanços científicos. Além disso, a família alimentava a esperança de que ela pudesse ser trazida à vida no futuro.
Foi com esse pensamento que a mulher de 49 anos veio à óbito em 8 de maio de 2017, às 4h, no Hospital Qilu da Universidade de Shandong, em Jinan, no leste da China. Tudo já estava certo para que seu corpo fosse submetido à criopreservação.
A equipe do médico Aaron Drak, da Alcor Life Extension Foundation dos Estados Unidos, colocaram o corpo de Wenlian em um suporte de vida, incluindo nutrição e suporte cardiopulmonar. Em menos de 10 minutos, ela estava pronta para ser transportada de ambulância para o Instituto de Pesquisa em Ciências da Vida de Shandong Yinfeng, parte da fundação Yinfeng Biological Group, uma empresa privada especializada em pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de células e órgãos humanos.
Assim que o processo de congelamento foi concluído, Zhan Wenlian se tornou a 1ª pessoa a ser congelada em crio na história da China. A família não teve que se preocupar com o custo de US$ 7.500 anuais para a manutenção do nitrogênio a cada 10 ou 15 dias, visto que o corpo foi uma doação ao instituto.
Para aqueles que podem pagar, a criogenia se tornou um meio de conformar famílias com a preservação de seus entes queridos e a possibilidade, ainda que remota, de reavivá-los no futuro.
“Gui falou que gostaria de tentar essa possibilidade, mesmo sabendo que não seria possível reanimar sua esposa em um futuro próximo. Acho que seu amor por ela foi o principal fator em sua decisão”, revelou Kong Fei, membro do Instituto de Pesquisa em Ciências da Vida. “Espera-se que o corpo de Zhan Wenlian seja armazenado por várias décadas para que possamos avaliar a condição dele após um determinado período de tempo”, declarou o especialista.
Para Lei Weifu, o médico que tratou Wenlian, a tecnologia de crio é a única capaz de aliviar a dor das famílias. “O paciente não parece estar morto. A vida dele parece apenas pausada”, disse ao jornal Hongxing News, de Sichuan.
Gui Junmin, em entrevista ao Science and Technology Daily, revelou não só concordar com essa fala do médico como também confiar na tecnologia e na possibilidade dos cientistas reconstituírem a vida.
Por outro lado, muitos cientistas e apoiadores ainda reclamam do fato de que o método de criopreservação não poder ser feito antes da morte, para impedir que ela aconteça ou até revertê-la. “As leis atuais significam que só podemos iniciar o processo após a morte clínica, seguindo os mesmos princípios da doação de órgãos. Isso causa uma estagnação científica”, disse um funcionário do Instituto Yifeng ao Hongxing News.
De qualquer forma, ainda não existe conhecimentos suficientes para “trazer alguém da morte”. Estudos do Instituto Cryonics apontam que cães e macacos foram revividos após terem seu sangue substituído pelo anticongelante e sido resfriado abaixo de 0 °C, embora não fosse a temperatura criogênica padrão.
Os vermes nematoides foram preservados a -196 °C, depois revividos e apresentados como funcionais. Em 2005, um rim de um coelho foi congelado a -135 °C e transplantado com sucesso para um animal, que pôde viver uma vida normal. Para os cientistas, não restam dúvidas de que a morte não é um estado irreversível, apesar de suas lacunas e arestas.