Artes/cultura
10/06/2023 às 07:00•2 min de leitura
Até hoje, uma fratura no crânio é algo sério que causa risco de vida. Cirurgias neurológicas demandam todo cuidado e tecnologia para não afetar nenhuma área do cérebro além daquela que precisa ser tratada.
Agora, imagine tratar de uma área tão delicada há 2 mil anos, quando a medicina, a ciência e a tecnologia não eram tão desenvolvidas. Até porque não havia anestesia ou esterilização.
Pesquisas arqueológicas na região do atual Peru encontraram vários crânios com pedaços de metal e marcas de cicatrização, mostrando que cirurgias neurológicas não só eram feitas naquela época, como também eram bem sucedidas. Na realidade, as cicatrizações dos crânios mostram que muitos pacientes viveram por anos após os procedimentos.
Além disso, como as pesquisas encontraram centenas de crânios nessa região, é possível até estimar a taxa de sucesso das cirurgias: entre 75% e 83%. Um feito impressionante, pensando que as técnicas empregadas eram muito rudimentares.
(Fonte: Museum of Osteology/Reprodução)
As pesquisas apontam que a trepanação era feita com brocas e outras ferramentas básicas — já que não existiam bisturis ou máquinas. Um corte quase quadrado era feito no crânio, para abri-lo. Então, um pedaço de ouro ou prata era utilizado para ajudar no fechamento do buraco, mas muitas pessoas permaneciam com a ferida aberta.
Esses cortes no crânio eram sempre feitos em homens adultos, geralmente soldados feridos em batalha. A trepanação, portanto, era uma tentativa de salvar suas vidas: retirar os pedaços de osso resultantes de uma perfuração, aliviar a pressão após um traumatismo craniano, etc.
Há dois outros detalhes muito interessantes nessa história: não somente os crânios peruanos tinham pedaços de ouro ou prata, como eles também eram alongados. Os nativos amarravam panos na cabeça dos bebês, enquanto o crânio ainda estava "mole", para que ele adquirisse o formato alongado considerado símbolo de beleza e inteligência.
O outro detalhe é que a análise dos crânios de diferentes épocas demonstra que os médicos foram aprendendo e melhorando suas técnicas. Existem indícios mostrando que eles praticavam cirurgias em pessoas mortas — mais ou menos como os estudantes de medicina de hoje em dia.
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(Fonte: Gold Museum of Peru/Reprodução)
Por mais interessantes que as técnicas incas sejam, elas foram proibidas pelos colonizadores espanhóis que dominaram a região, a partir do século XVI. Porém, eles não foram o único povo que desenvolveu técnicas avançadas de cirurgia na antiguidade.
Um artigo publicado em 2023 descreve um achado arqueológico na região do atual Israel: dois irmãos, enterrados juntos, na casa onde viviam. Os dois tinham uma doença grave — que pode ser percebida pelo estado das ossadas —, mas tinham acesso aos melhores cuidados daquela época, já que os vestígios indicam uma casa luxuosa.
Um dos irmãos tinha marcas de trepanação no crânio. Os pesquisadores acreditam que, após o falecimento de um irmão, a família optou por fazer a cirurgia para tentar salvar a vida do outro. Mas, como o crânio não tem marcas de cicatrização, é provável que o jovem tenha morrido no procedimento ou logo depois dele.
Esse achado foi interessante, porque é ainda mais antigo que os do Império Inca, datado de 3,5 mil anos atrás. Contudo, vestígios de trepanação foram encontrados em crânios de até 11 mil a.C., em sítios arqueológicos na Turquia.
Mas a pré-história da cirurgia vai além: na ilha de Borneo (sudeste asiático) foram encontradas ossadas com a amputação de uma perna, datadas de 31 mil anos atrás. A forma como o tecido ósseo cicatrizou lembra o que vemos hoje em amputações bem-sucedidas. Tudo indica que a perna foi amputada de uma criança que sobreviveu até a idade adulta, sem problemas.