Ciência
13/08/2023 às 13:00•2 min de leitura
Um estudo da área da neurociência sugere que a pandemia de covid-19 pode ter nos afetado de uma maneira curiosa: ela mudou a nossa percepção do tempo. O artigo, publicado pela neurocientista cognitiva Nina Rouhani ao lado de outros colegas, aponta que a turbulência dos anos pandêmicos pode ter diminuído a distância entre os eventos lembrados.
A premissa levantada é que a noção do tempo parece ter "encolhido". Agora, os pesquisadores querem entender o porquê, e o que isso pode revelar sobre a forma como entendemos a memória.
(Fonte: Getty Images)
Antes da pandemia, a doutora Nina Rouhani já estava em busca de tentar entender os funcionamentos da memória humana. Com a chegada desta grande crise de saúde mundial, em 2020, ela teve a oportunidade de estudar nuances deste fenômeno em tempo real.
Neste período, parecíamos estar transbordados de muitas informações e acontecimentos, como a quantidade de notícias, as tragédias e a incerteza sobre o que estava se desdobrando no mundo. Tudo isso, segundo a neurocientista, configurava como uma espécie de "tesouro de memórias".
Ela comandou então um experimento online entre abril de 2020 e janeiro de 2021 com a participação de 1.000 norte-americanos. Eles deveriam relatar o que lembravam de ocorrer em suas vidas durante a pandemia, mas os relatórios mensais acabaram sendo coletados pela equipe até 2023.
Os pesquisadores queriam entender não apenas o lado individual da memória, mas também o que as pessoas lembravam sobre eventos coletivos surpreendentes – um fenômeno chamado na psicologia de "memórias de flash", que compreende a memória muito vívida que se instala quando algum evento muito singular acontece conosco ou no mundo.
O que eles começaram notar é que o período pandêmico parecia bagunçar como os participantes percebiam os momentos vivenciados ou testemunhados. E vários fatores colaboraram para isso, como a quantidade de momento de memória flash e os longos períodos de monotonia, em que os dias pareciam se repetir.
Rouhani explicou ao Vox: "se você pensar sobre os processos que está usando ao pensar sobre a percepção subjetiva do tempo, um deles é o número de memórias. Quando você sai de férias e volta, parece que um século se passou". A mudança de cenário, portanto, faz com que criemos mais memórias, enquanto a repetição causa o efeito oposto.
(Fonte: Getty Images)
Os pesquisadores liderados por Nina Rouhani analisaram, então, a descrição que os participantes da pesquisa deram sobre as distâncias entre os grandes eventos relatados pela notícia, e levantaram a hipótese de que houve uma compressão no tempo. Ao lembrar de acontecimentos ligados à covid, os respondentes da pesquisa os mencionavam como se tivessem ocorrido com uma menor distância temporal em relação ao que lembravam de eventos parecidos transcorridos antes e depois da pandemia.
Segundo os neurocientistas, a chave para entender essa mudança de padrão pode ser a emoção. Eventos emocionalmente carregados, sejam eles positivos ou negativos, são mais fáceis de lembrar. Mas, quando há muito estresse, tende a acontecer um bloqueio nas nossas memórias. Pessoas com depressão, por exemplo, podem lembrar nitidamente do passado longínquo, mas terem memórias vagas sobre o que aconteceu recentemente.
O estudo constatou que o mau humor constante da pandemia de covid-19 causou um maior volume de memórias, especialmente para os que tiveram mais episódios de melancolia e depressão. Contudo, houve um "desfoque" dessas lembranças – a qualidade delas era pior.
Por fim, a pesquisa também sugere que a falta de detalhes dessas memórias permeadas pelo estresse aumenta a possibilidade de que essas memórias nos atormentem no presente. Por isso, os pesquisadores apontam que fazer um exercício para lembrar bem do passado – um método que é chamado de indução de memória episódica – pode nos ajudar a "recriar" essas lembranças e dar sentidos positivos a elas.