
Ciência
29/02/2024 às 19:04•2 min de leituraAtualizado em 01/03/2024 às 09:14
Uma pesquisa publicada recentemente na revista científica Antiquity faz uma abordagem inédita dos vinhos da Roma Antiga, através das tradicionais dolia, grandes recipientes de cerâmica “cuja composição, tamanho e forma contribuíram para o sucesso da produção de diversos vinhos com características organolépticas específicas”, diz o estudo.
Estudando alguns vinhos contemporâneos tradicionais, como o qvevri georgiano, os autores traçaram um paralelo entre as ânforas nas quais esse vinho atual é armazenado e as dolia. (em latim, dolia é o plural de dolium). O objetivo é responder, via conhecimento enológico moderno, às perguntas: qual a aparência, cheiro e sabor dos vinhos romanos?
Sem ter como fazer a degustação diretamente, pois a única garrafa de vinho romano que continua intacta (em um museu da Alemanha) não está disponível, nem “convidativa” após 1,7 mil anos lacrada, a investigação foi feita de forma indireta, através dos recipientes onde o vinum romanum era armazenado.
(Fonte: Dimitri Van Limbergen/Paulina Komar)
A dupla de pesquisadores explica sua opção, afrimando que "nenhum estudo examinou ainda o papel destes vasos de barro na vinificação romana e o seu impacto na aparência, cheiro e sabor dos vinhos antigos". Por isso, o primeiro passo foi comparar os vasos de barro romanos com as ânforas (qvevri) utilizadas para fermentar alguns vinhos na Geórgia, no leste europeu.
Concluída a comparação, os pesquisadores concluíram que o vinho romano era amarelo-escuro ou de cor âmbar, visto que a base estreita dos vasos impedia que os sólidos da uva tivessem contato com a bebida à medida que ela envelhecia. Quanto ao bouquet (aroma). A fermentação poderia ter produzido um composto químico chamado sotolon, que produz aromas de "pão torrado, maçãs, nozes torradas e curry", diz o estudo.
Finalmente, em relação ao sabor do vinho, a dupla diz que, graças à argila porosa (que permite a oxidação), a característica gustativa principal seria picante, refletindo "agradáveis sabores de gramíneas, nozes e frutas secas", combinação capaz de evocar memórias antigas e provocar respostas emocionais.
(Fonte: Dimitri Van Limbergen/Paulina Komar)
Além de terem uma visão ampliada sobre a verdadeira devoção que os romanos tinham ao vinho, com direito a um deus próprio (Baco), os autores concluíram que os enólogos da Roma Antiga estavam longe de ser amadores, e tinham um controle total dos processos de fabricação, fermentação e armazenamento dos vinhos.
Dizendo que o trabalho mudou muito a "nossa compreensão atual da vinificação romana", Van Limbergen concluiu, em comunicado ao IFLScience: "O valor de identificar, muitas vezes inesperados, paralelos entre a vinificação moderna e antiga reside tanto em desmascarar a suposta natureza amadora da vinificação romana, quanto em descobrir traços comuns em procedimentos de vinificação milenares".