Ciência
28/12/2024 às 06:00•2 min de leituraAtualizado em 28/12/2024 às 06:00
Imagine acordar após um transplante de coração e, de repente, desenvolver um gosto insaciável por nuggets de frango — um prato que você nunca sequer gostou antes. Ou, mais impressionante ainda, começar a ter memórias ou medos que parecem não ser seus. Esses relatos, embora pareçam saídos de um roteiro de ficção científica, têm intrigado pacientes, médicos e pesquisadores por décadas.
A ideia de que órgãos transplantados podem carregar fragmentos de personalidade, gostos ou até memórias do doador não é consenso científico, mas é um campo fascinante que mistura biologia, neurociência e até questões filosóficas.
Desde o primeiro transplante de órgão vital, realizado em 1954, algumas pessoas que receberam órgãos relataram mudanças significativas em suas personalidades ou preferências. Por exemplo, há casos documentados de receptores que passaram a ter interesses e comportamentos associados ao doador.
Um homem começou a apreciar música clássica após receber o coração de um músico, enquanto uma mulher desenvolveu uma aversão a carne depois de receber o coração de um vegetariano. Em outro relato impressionante, um menino que recebeu o coração de uma menina afogada passou a ter pavor de água, um medo que ele nunca havia manifestado antes.
Mas como explicar algo tão extraordinário? Uma das hipóteses mais comentadas é a chamada "memória celular", que sugere que células fora do cérebro também poderiam armazenar memórias. Apesar de ser um conceito controverso, ele se baseia na descoberta de que o coração, por exemplo, possui uma complexa rede neural que poderia desempenhar um papel além de apenas bombear sangue.
Esse “pequeno cérebro do coração” estaria em comunicação constante com o cérebro principal, trocando informações que poderiam impactar a identidade do receptor. Outra teoria envolve alterações epigenéticas, mudanças na maneira como os genes se expressam em resposta ao ambiente — no caso, a presença de um novo órgão no corpo.
No entanto, a ciência ainda está longe de um consenso. Muitos especialistas apontam para fatores psicológicos ou medicamentosos que poderiam explicar esses fenômenos. O uso de imunossupressores e analgésicos necessários após o transplante pode causar alterações no apetite, no humor e na percepção de si mesmo.
Além disso, o impacto emocional de passar por uma cirurgia tão arriscada e transformadora pode levar os pacientes a reavaliarem suas vidas e, possivelmente, atribuírem essas mudanças às características do doador.
Ainda assim, o volume de relatos curiosos não pode ser ignorado. Estudos mostram que quase 90% dos receptores de transplantes de coração relataram mudanças de personalidade após a cirurgia, incluindo alterações em preferências alimentares, crenças religiosas e até orientação sexual.
Embora essas experiências possam ser difíceis de medir ou comprovar, elas abrem espaço para uma investigação mais aprofundada sobre as conexões entre corpo, mente e memória.
Por enquanto, a ideia de que memórias e traços de personalidade possam ser “transferidos” entre doadores e receptores de órgãos permanece um mistério. Seja por razões biológicas, psicológicas ou uma combinação das duas, é um tema que desafia nossas noções tradicionais de identidade e abre portas para uma nova compreensão da complexa interação entre os sistemas do corpo humano.