Artes/cultura
01/06/2018 às 04:30•3 min de leitura
Religiões, de uma forma geral, não são flexíveis. E a situação fica pior quando o assunto é homossexualidade. Se hoje em dia a questão ainda é um grande tabu mesmo quando não envolve a fé, imagine um casal de lésbicas se casando em uma igreja católica, e isso na Espanha, em 1901!
Essa história, que parece ter saído de um filme, realmente aconteceu em Corunha, região noroeste da Espanha. Elisa Sánchez Loriga e Marcela Garcia Ibeas se conheceram na escola, onde cursavam o magistério. A paixão entre as duas se tornou cada vez mais aparente, fazendo com que a mãe de Marcela mandasse a filha estudar em Madri para se manter distante da amada.
Praia em Corunha, onde elas se conheceram
Segundo o historiador Narciso de Gabriel, isso não conseguiu separá-las. Ele escreveu um livro sobre o casal e conta que elas foram transferidas para escolas rurais depois de um tempo, ficando distantes apenas alguns quilômetros uma da outra; era o suficiente para que Elisa andasse até a casa de Marcela toda tarde após a aula.
Nesse período, iniciaram-se os planos para o casamento. Primeiro, elas deixaram claro para todas as pessoas que conheciam que tinham brigado. Marcela, de acordo com o escritor, estava grávida de um homem desconhecido, e por isso se casaria com um “primo” de Elisa.
Foto das duas logo após o casamento
Ele se chamava Mario e tinha crescido em uma família de ateus que morava em Londres, mas possuía parentes em Corunha. No dia, “Mario” foi batizado e casou-se com Marcela. Segundo o historiador, o registro da união existe até hoje.
Infelizmente, o disfarce foi revelado, e a foto da cerimônia foi publicada em um jornal local com a manchete “Um casamento sem um noivo”. A fama adquirida tornou a vida delas impossível na cidade, fazendo com que se mudassem para Porto, em Portugal, onde Marcela deu à luz uma menina. Mesmo lá a perseguição continuou, e, com a existência de uma ordem de extradição para serem julgadas na Espanha, elas preferiram entrar em um navio, que cruzou o Atlântico e as levou até Buenos Aires, em 1902.
Marcela e Elisa
Nesse ponto, os documentos se tornam escassos, mas o que se sabe é que Elisa acabou se casando com um velho e rico dinamarquês, que denunciou as intenções fraudulentas dela com o enlace. O último registro encontrado por Narciso foi uma nota de jornal na Cidade do México, em 1909, dizendo que ela havia cometido suicídio na cidade de Veracruz. O casamento delas se mantém como o único de um casal homossexual na história da Igreja Católica.
Considerando a relevância que assuntos da causa LGBT têm hoje em dia, a diretora espanhola Isabel Coixet pretende filmar a história do casal. Ela se diz fascinada desde a primeira vez que ouviu sobre elas, pois o relato termina com mais perguntas do que respostas. O feminismo também é altamente relevante no mundo atual, e, sobre isso, Coixet disse que, “quando pensa sobre elas e o fato de fingirem que uma delas era um homem, considera isso incrivelmente corajoso”.
Na Espanha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido há quase 15 anos, mas Immaculada Mujika Flores, socióloga, psicóloga e diretora de uma associação LGBT, acredita que um filme sobre as duas pode tornar a relação entre mulheres mais visível.
Veronica e Tiana, as duas primeiras mulheres a casarem na Espanha, em 2005
Flores diz que as mulheres homossexuais da Espanha não possuem modelos entre pessoas conhecidas, algo que se mantém desde o período da repressão de Franco. Naquela época, segundo ela, os homens que se relacionavam com o mesmo sexo sofriam punições, enquanto lésbicas passavam despercebidas. Somente quando elas começaram a participar de protestos, nos anos 80, é que sua existência passou a ser reconhecida.
O filme ainda não possui uma data de lançamento, mas promete ser interessante, por tratar de muitos aspectos culturais que atualmente são motivos de discussão na sociedade.