Artes/cultura
11/10/2018 às 13:00•5 min de leitura
O texto hoje é um pouco diferente e relata a relação com a minha avó materna e a religião. Conforme crescemos, podemos nos afastar ou duvidar de muitas coisas, porém, certas situações são tão inexplicáveis que sobra apenas a fé para dar sustento. Ou seria uma série inigualável de coincidências? Fica a seu critério...
Para começo de conversa: eu sou um “piá de vó”. Quando nasci, meu pai trabalhava em outra cidade e só estava em casa aos finais de semana, enquanto minha mãe também trabalhava fora e chegava só à noite. Assim, quem me criou nos primeiros anos de vida foram a vó Júlia e o vô Cide.
É preciso voltar um pouquinho ainda no tempo: antes de eu nascer, minha mãe perdeu um filho perto de 9 meses de gestação. Isso foi um trauma bem grande, é claro, tanto que quando ela engravidou novamente foi feita uma promessa de que eu seria batizado em Aparecida (SP), casa da padroeira do Brasil. E é aí que a história de fato começa!
Minha mãe, eu e minha vó: as mulheres da minha vida
Meu irmão se enrolou no cordão umbilical e não resistiu. Eu fiz o mesmo, mas os médicos conseguiram fazer o parto a tempo. Essas gestações de risco levaram à tal promessa, mas, como morávamos no Paraná – mais especificamente em Ponta Grossa –, era um pouquinho complicado ir até a basílica de Aparecida conseguir realizar o batismo. Até hoje nunca perguntei como meus pais e avós conseguiram tal feito, mas isso não vem ao caso.
Pois bem... Quando eu tinha pouco mais de 1 ano de idade, finalmente a viagem de batismo foi programada. Minha tia Cida, irmã de minha mãe, e seu marido seriam os padrinhos. Lá em Aparecida, minha vó deu o que eu chamo de “golpe do afilhado”: ela apareceu com uma crendice de que mulheres grávidas não poderiam batizar porque faria mal ao bebê. Como a tia Cida estava esperando meu primo, acabou que minha avó assumiu seu papel como madrinha.
Isso foi determinante para minha relação de fé com a vó, eu acho... Durante anos, por exemplo, venerei a “santa” Maria Bueno, para só na adolescência descobrir que ela não era uma santa de verdade, mas uma crença curitibana por conta de uma jovem morta violentamente e a quem são atribuídos alguns milagres. Na família, creio que apenas eu e minha vó Julia somos devotos dela – mas isso também é outra história.
Eu e meu primo Rogger em Aparecida no começo dos anos 2000: minha tia estava grávida dele quando foi "impedida" de me batizar
Minha avó sempre foi uma pessoa muito boa, principalmente para a vizinhança. Ela era benzedeira de mão cheia e sua casa vivia cheia de pessoas em busca de curas místicas – porém, ela nunca estimulou a falta de tratamento tradicional, que fique bem claro. Cresci ouvindo rezas e outras formas de medicação pela fé. Dona Júlia era católica fervorosa, mas tinha um pezinho no Espiritismo.
Por dentro, porém, a vó vivia suas próprias amarguras: foi depressiva a vida toda e, por conta dessa doença, acabava tornando a vida dos mais próximos um verdadeiro inferno. Ela ofendia sem querer ofender e se intrometia onde não devia. Os maiores arranca-rabos da família foram motivados por algo que ela falou. Depois, é claro, vinha o arrependimento, mas daí já estava todo mundo em pé de guerra e era preciso esperar que o tempo curasse tudo.
E ela não me poupava das ofensas, não... Porém, teve algo que eu ouvi dela certa vez que virou um mantra: “Não sei porque vocês dão bola para o que eu falo, eu sou louca de carteirinha”. Ela dizia isso com orgulho, já que fora internada em um hospital para tratar a depressão. Minha família ligava quando ela “loqueava”, já eu raramente dei bola.
Eu e a vó Júlia: ela foi uma pessoa que veio ao mundo para fazer o bem, mesmo enfrentando um inferno dentro de sua cabeça
Eu voltei a morar com minha avó em 2007, quando briguei com meu pai – besteiras de pós-adolescente. Passamos mais 1 ano juntos e foi muito bom! Além da depressão, minha avó tinha um pouco de hipocondria: na cabeça dela, já tinha tido todas as doenças do mundo, e estava prestes a morrer o tempo todo.
Por conta disso, ela vivia em hospitais e fazendo exames. Eis que, em 2013, veio o diagnóstico de câncer de pâncreas, um dos mais agressivos que existe. Desta vez era verdade: a vó estava com os dias contados. Normalmente, a sobrevida após a detecção dessa doença é de apenas 4 meses. A vó durou 1 ano, quase inteiro muito bem vivido – os 2 últimos meses foram bem ruins, mas, de maneira geral, nem dava para dizer que ela estava em fase terminal.
O sonho da vida da vó era completar 80 anos. A família meio que adivinhou que ela completaria o marco e logo se despediria deste plano espiritual: no dia 22 de setembro de 2014, com 80 anos e 6 dias, a vó se foi. Deixou 5 filhos, 11 netos e uma meia dúzia de bisnetos. Deixou também uma garagem cheeeia de plantinhas – e aí entra mais uma parte do quebra-cabeça que estou querendo contar.
Vó Júlia e vô Cide: os dois cuidaram de mim em dois momentos de minha vida
Minha avó adorava plantas e animais, principalmente gatos. No caso das plantas, ela tinha de tudo um pouco: samambaias, violetas e uma série de outras que não sei o nome, porque nunca me dei bem nessa área. Meu vô Cide, porém, nunca foi muito ligado e a família sabia que se as plantas ficassem na casa dele iriam acabar morrendo.
A vó morreu numa segunda-feira. Eu tinha passado o final de semana em Ponta Grossa e tinha acabado de chegar em Curitiba quando precisei voltar. O velório e o enterro foram muito movimentados, com toda a vizinhança – MUITA GENTE – querendo dar seu último adeus. A família estava bem calma, afinal, a véinha estava sofrendo muito nos últimos meses e aproveitamos bastante o quanto pudemos desde o fatídico diagnóstico.
Dois finais de semana depois – 4 e 5 de outubro – fui a Ponta Grossa novamente ver como estavam as coisas, principalmente como minha mãe estava lidando com os primeiros dias de ausência. Da garagem da vó, eu queria uma samambaia, alguma outra plantinha que pudesse ficar pendurada (meu gato não poderia alcançar) e uma ou outra florzinha. Quase tudo já estava reservado para meus primos, primas, tios, tias, vizinhos etc que haviam sido mais rápidos.
A vó era fascinada por plantas e flores
Uma samambaia mais sofridinha, com poucos galhos, estava disponível. Peguei. Tinha até gancho no teto esperando por ela. Também peguei 2 violetas, 1 cacto e uma outra plantinha, não muito bonita, em um vaso bem sujinho, que ninguém tinha reservado. Para esta eu não tinha espaço, mais iria providenciar durante a semana.
Como não tinha onde colocar, eu simplesmente peguei seus galhos caídos e joguei por cima do vaso, coloquei tudo dentro de uma caixa de sapato e deixei na minha lavanderia em Curitiba. No domingo seguinte, coloquei um suporte na parede e fui buscar a plantinha para colocá-la em seu devido lugar. Ao começar a arrumar os galhos, uma surpresa: no meio da terra, escondidinha, estava uma imagem de Nossa Senhora Aparecida. Suja, desgastada e com a base quebrada. Mas ainda assim, uma bela imagem.
A plantinha já na parede e a imagenzinha escondida no meio dos galhos
Quando a vó a colocou ali? Jamais saberemos. Por que ninguém tinha visto antes? Mais uma pergunta sem resposta. De quem ela ganhou? Não se sabe. O fato é que a imagem veio parar nas minhas mãos, e o mais “estranho” de tudo: se ligaram nas datas? Eu descobri a imagem na plantinha no dia 12 de outubro de 2014. Justamente, o dia de Nossa Senhora Aparecida!
Esse tipo de acontecimento é muito forte para ser apenas uma coincidência. Pode ser? Claro que pode! Mas eu prefiro acreditar que foi um recado póstumo da minha avó para dizer que tudo vai ficar bem. Eu me emocionei, é claro. Minha família também. Alguns meses depois, voltei a Aparecida para levar a imagenzinha que minha avó me deixou e agradecer aos 32 anos que tive ela ao meu lado.
Depois que a plantinha morreu, a imagem migrou para outra planta e agora ganhou um altarzinho na minha casa
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