Estilo de vida
14/08/2020 às 15:00•3 min de leitura
"Os fracos são carne; os fortes comem", diz um antigo provérbio japonês.
A inteligência dos Estados Unidos foi rápida o suficiente para "comer" as fraquezas do Japão durante a Segunda Guerra Mundial, tanto que comprovou isso bombardeando Hiroshima e Nagasaki e estabelecendo uma espécie de arauto de quem era o mais forte naquele cenário.
No canibalismo de Chichijima — ou "incidente" como os historiadores preferem chamar —, foi citando o antigo provérbio que a nação japonesa encontrou uma maneira de dizer que tudo era válido naquela guerra, incluindo literalmente devorar o inimigo quando fosse possível.
Em 7 de dezembro de 1941, 6 meses depois de completar 17 anos de idade, o futuro presidente dos Estados Unidos George H. W. Bush decidiu se alistar na Marinha como aviador naval assim que ouviu que Pearl Harbor havia sido bombardeado. Após um período de treinamento, ele foi transferido para a Reserva Naval e se tornou um dos mais jovens aviadores de seu tempo.
No epicentro da Segunda Guerra Mundial, a primeira missão do jovem Bush foi lutar na Guerra do Pacífico, o que levou à sua promoção a primeiro-tenente em agosto de 1944. Em 2 de setembro daquele ano, Bush e oito combatentes foram designados para liderar um ataque a uma estação de rádio que ficava na pequena ilha de Chichijima, que tem o dobro do tamanho do Central Park e está localizada no arquipélago de Ogasawara, a cerca de 1 mil quilômetros ao sul de Tóquio.
A bordo de um caça Avenger, Bush e os companheiros conseguiram atacar com sucesso vários alvos inimigos enquanto sobrevoavam as ilhas de Bonin, que fazem parte de Ogasawara. O local era defendido por 25 mil tropas japonesas, visto que os norte-americanos o bombardeavam regularmente.
Naquele dia, 100 aviões foram abatidos pelos japoneses, incluindo o caça de Bush. "O avião estava pegando fogo. O cockpit começou a encher de fumaça. Eu achei que tudo explodiria", contou o então presidente em entrevista à CNN; no entanto, ele conseguiu levar a aeronave para longe de Chichijima.
Em seguida, Bush abandonou o avião e acabou sendo resgatado pelo submarino USS Finback, mas os colegas não tiveram a mesma sorte quando desembarcaram nas águas da ilha e foram capturados pelos japoneses.
À princípio, acreditou-se que os oito homens que estavam no avião com Bush tinham morrido durante a queda ou se afogado. Essa ideia prevaleceu para o governo norte-americano até 1947, quando a verdade apareceu durante os julgamentos de guerra em Guam, quando 12 militares japoneses subordinados ao sádico e alcoólatra general Yoshio Tachibana foram interrogados.
De acordo com as transcrições do julgamento e relatos variados, incluindo de soldados envolvidos, o escritor James Bradley lançou em 2003 o livro Flyboys: Uma Verdadeira História de Coragem, em que revelou ao mundo que os homens desaparecidos foram canibalizados na ilha.
Primeiro, eles foram torturados de várias maneiras, golpeados com estacas de bambu ou baionetas. Dois combatentes foram espancados até a morte. O operador de rádio Marve Mershon, vendado, foi obrigado a se arrastar até a sua cova vazia recém-escavada antes de ser decapitado com uma espada. Floyd Hall foi atravessado pela lança de uma baioneta e teve o fígado e a vesícula biliar removidos e embrulhados em papel celofane, para que fossem consumidos mais tarde. Earl Vaughn foi decapitado e seus órgãos tiveram o mesmo destino que os de Hall.
Depois que os homens já estavam mortos, o major Sueo Matoba ordenou que os cadáveres de Mershon, Hall, Jimmy Dye e Vaughn fossem preparados para serem oferecidos em um banquete ao general Tachibana e a outros oficiais do mais alto escalão japonês. Como entrada, foi servida a coxa crua de Mershon aos homens, que pediram que os assistentes pegassem mais partes do corpo quando ela acabou. O fígado dele foi servido como uma iguaria.
Tachibana e o contra-almirante Kunizo Mori foram apontados como os militares que mais se beneficiaram dos atos de canibalismo. Em defesa, eles alegaram que comeram os quatro homens para benefícios físicos e espirituais, pois, além de se tratar de uma vingança, era uma maneira clara de panfletar o triunfo sobre seus cativos. Era um "direito de guerra".
Devido à natureza perversa e por conta das inúmeras controvérsias envolvendo a história, o incidente em Chichijima foi mantido oculto durante anos, principalmente em respeito às famílias das vítimas. Apesar da tristeza com que receberam a notícia, sentiram um pouco de conforto quando souberam que os assassinatos não ficaram impunes.
Cerca de 30 soldados japoneses, sendo quatro oficiais, incluindo Matoba e Tachibana, foram acusados de crimes de guerra e declarados culpados. Todos eles foram enforcados e enterrados em túmulos não identificados nas terras de Guam. Os outros militares que tiveram algum tipo de envolvimento também foram considerados culpados e presos, ainda que soltos 8 anos depois.
Dezessete anos mais tarde, ainda existe uma grande aura de polaridade envolvendo o caso, com pedidos de justiça de ambos os lados. A nação japonesa define os processos como um claro caso de vencedores de guerra julgando os perdedores, com vereditos contaminados por racismo, opressão e abuso de autoridade por parte dos Estados Unidos.
Até 2003, o ex-presidente Bush, que alegou não saber de nada até o lançamento do livro de Bradley, declarou que o episódio ainda o assombrava, principalmente o fato de ele ter sido o único a escapar com vida, enquanto os companheiros tiveram que enfrentar um fim tão trágico e animalesco.
"Por que só eu fui abençoado? Será que eu poderia ter feito algo diferente?", questionou-se Bush em entrevista à CNN.