Ciência
15/12/2020 às 15:00•4 min de leitura
Na história da aviação contemporânea, entre os 90 voos que se perderam no ar nos últimos 70 anos e nunca mais foram localizados, uma das perdas mais chocantes aconteceu na madrugada de 8 de março de 2014, quando o Boeing 777 da Malaysia Airlines desapareceu no Oceano Índico e nem seus destroços foram encontrados.
Apesar de o caso ser cercado por muitas teorias da conspiração e uma constante aura de mistério, é possível imaginar qual tenha sido o seu destino, diferentemente do Boeing 727 da American Airlines.
Fabricado em 1975 e operado durante 25 anos pela American Airlines, o Boeing 727-223 realizou viagens nacionais e internacionais até ser colocado à venda em fevereiro de 2002, entrando em negociações através da Aerospace Sales & Leasing (ASL) para fechar acordo com a TAAG Angola Airlines.
A aeronave ficou estacionada no aeroporto de Luanda durante o acordo, resultando em uma dívida portuária retroativa, o que gerou uma polêmica judicial sobre qual companhia aérea deveria assumir a despesa por causa da lentidão de ambas as partes no processo de compra e venda.
Nesse ínterim, Maury Joseph, proprietário da ASL, encontrou um comprador, o empresário sul-africano Keith Irwin, que representava uma empresa conjunta chamada Cargo Air Transport Systems. O Boeing 727 seria usado para transportar diesel como apoio a uma operação de mineração de diamantes na África, por isso os assentos de passageiros foram removidos e substituídos por tanques. Como adiantamento, a empresa fez um depósito de US$ 450 mil do valor completo de US$ 1 milhão.
Apesar de sua manutenção estar em dia, a máquina não estava em conformidade com os regulamentos da aviação angolana para sua conversão de aeronave de passageiros para aeronave de carga, ou seja, ela não tinha permissão para operar. Para deixar o Boeing pronto para que fosse levado para Joanesburgo (África do Sul), Irwin enviou Ben Charles Padilla, um mecânico e piloto privado, que levou o ajudante John Mikel Mutantu, da República do Congo, também mecânico.
Por volta das 17h de 25 de maio de 2003, dois homens embarcaram no Boeing 727 estacionado no Aeroporto Internacional Quatro de Fevereiro (Luanda), Padilla e Mutantu, que tinham passado o dia trabalhando na aeronave, inclusive já abastecida.
Irwin já havia programado para que uma tripulação chegasse em Angola no dia seguinte para poder fazer o transporte da aeronave para Joanesburgo, visto que Mutantu não era piloto e a licença de Padilla valia apenas para conduzir aeronaves menores como piloto privado, portanto não lhe permissão para conduzir um Boeing.
Apesar disso, funcionários do aeroporto viram quando o avião começou a taxiar em uma das pistas de maneira errática, mas ninguém na cabine de comando entrou em contato com a torre, que também não conseguiu estabelecer uma comunicação com a aeronave. Em seguida, o transponder foi desligado manualmente.
Padilla manobrou o avião e fez uma decolagem arriscada, pois tinha pouca amplitude e, com todas as luzes apagadas e ignorando as ordens de parada, o Boeing 727 partiu para sudoeste, em direção ao Oceano Atlântico, e desapareceu para sempre.
Uma vez que o incidente aconteceu em um período em que o mundo ainda era assombrado pelos atentados de 11 de setembro, a inteligência do governo dos Estados Unidos entrou em alerta máximo e moveu todos os esforços para conseguir localizar a aeronave em algum país, porém não encontrou nada.
Fraude foi uma das hipóteses levantadas, apesar de terrorismo ter sido a mais alarmante. Maury Joseph havia feito um acordo de compra de US$ 1 milhão que deveria ser pago em 30 dias após o depósito inicial feito por Irwin, entretanto 14 meses se passaram e o comprador não cumpriu sua parte do acordo, deixando que o Boeing 727 acumulasse mais de US$ 4 milhões em dívidas aeroportuárias.
Para o Departamento Federal de Investigação (FBI) dos Estados Unidos, Padilla teria sido contratado para roubar o avião como parte de um esquema orquestrado por Irwin. Foi descoberto que a Comissão de Valores Mobiliários o havia processado por falsificar demonstrações financeiras e fraudar investidores, então agentes do FBI submeteram Irwin a um teste do polígrafo, mas ele passou.
Por outro lado, Maury Joseph também possuía um longo histórico de fraude contábil envolvendo outra empresa de sua propriedade. Mastin Roveson, general da Marinha dos EUA e na época comandante das tropas armadas no sudeste africano, disse que não conseguiram encontrar pistas sólidas que indicassem se a aeronave fora roubada em um ato terrorista, roubada pelo comprador em um esquema de fraude ou até mesmo pelo proprietário para tentar culpar o contratante devedor.
Em entrevista ao jornal South Florida Sun-Sentinel em 2004, Benita Padilla-Kirkland, irmã de Ben Padilla, revelou que a família acreditava que havia um terceiro homem na cabine que teria obrigado seu irmão a pilotar a aeronave. Sobre o paradeiro, ela arriscou que o voo tenha caído em algum lugar da África ou que tenha sido detido por forças armadas aéreas angolanas, hipótese aceita por Maury Joseph.
Em meio à palpável e obscura disputa de negócios e golpes, coexiste a possibilidade de que Padilla tenha deliberadamente roubado o avião para seu próprio ganho financeiro. Alguns acreditam que ele tenha chegado ao seu destino com sucesso – o que suspeitam ser perto de Kinshasa (Congo) – e vendido a aeronave por peças, mudado de identidade e sumido no mapa.
Em 17 anos, ninguém teve uma pista sequer do paradeiro do Boeing 727. Em relatórios vazados da Agência Central de Inteligência (CIA), a National Geospatial-Intelligence Agency teria entrado em contato para informar sobre seus satélites terem encontrado manchas de óleo no Altântico, próximo ao Congo, o que poderia sinalizar um acidente. Nenhuma das agências, entretanto, quis comentar sobre a informação e o caso foi supostamente dado como encerrado, apesar de ainda existir a retumbante dúvida: o que poderia ter acontecido?