Ciência
20/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
Os uigures são povos indo-europeus de etnia muçulmana que passaram a habitar o noroeste da China, na região autônoma de Xinjiang (na fronteira com o Paquistão e Afeganistão) em meados do século XVII, durante o reinado da dinastia Qing.
Em 13 de outubro de 1949, após uma série de pressões militares e políticas, Xinjiang foi finalmente controlada pelo comunismo da China, após mais de 100 anos de independência da província.
Com isso, a etnia han, a maior de toda a China (cerca de 92% dos habitantes, equivalente a 1,24 bilhão de pessoas), passou a migrar para Xinjiang e outras províncias do país onde os uigures habitavam. Atualmente, estima-se que 40% da população de Xinjiang seja de etnia han, enquanto 45% são uigures — uma dominação quase massiva que serviu apenas para criar mais discriminação e opressão.
Com o aumento expressivo nas taxas de natalidade da China, na década de 1970 o Partido Comunista Chinês encorajou “a política de dois filhos” por meio de campanhas governamentais, afirmando que se as famílias não parassem de ter muitos filhos o país “não seria capaz de desenvolver a própria economia e elevar o padrão de vida”.
No entanto, em 1979, o então líder Deng Xiaoping, voltou com o mesmo tipo de discurso, só que alegando que era necessário medidas mais severas e restritivas para um avanço futuro significativo do país que seria apenas benéfico para os cidadãos. Oficialmente, o governo impôs como lei a política do filho único, estabelecendo multas exorbitantes em casos de violações e dando 5 yuans por mês para famílias com apenas um filho como forma de “incentivo”.
No entanto, a população não percebeu o cinismo dessa, então, nova lei de Xiaoping. Relatórios da Associated Press acusaram que o líder tinha intenções de diminuir o crescimento da minoria uigures na China, por isso os governos das províncias exigiram abortos e esterilizações forçadas para anular ainda mais o grupo étnico. Foi apresentado que a taxa de natalidade entre os chineses han já havia atingido o seu nível mais crítico em 70 anos, o que já estava colocando em risco as gerações futuras, mas mesmo assim o Partido Comunista exigiu o contrário.
A verdade é que o governo chinês resistiu até 2015 para revogar a medida, apesar dos economistas insistirem que ela estava encolhendo a força de trabalho do povo, a produtividade e gerando um acúmulo de déficit de pensões, porque isso significava abrir mão de um instrumento de controle social e também de um meio que gerava mais de US$ 3 bilhões anuais em multas.
De acordo com Adrian Zenz, da Associated Press, em 1 ano, pelo menos 2 condados da província chinesa visavam esterilizar de 14% a 34% das mulheres em período fértil, o que representaria mais do que a China fez em 20 anos.
Em meio a essa taxa absurda, estava a jovem Feng Jianmei, então com 23 anos (em 2012), moradora da província de Shaanxi, no noroeste da China. Ela e o marido, Deng Jiyuan, que já tinham uma filha de 6 anos na época, planejavam ter mais 1 filho, pois habitantes das zonas rurais eram permitidos terem mais de 1 se o 1° tivesse nascido menina. “Planejamos essa gravidez porque nossos pais são velhos, eles querem que tenhamos mais um filho”, contou Deng, então aos 30 anos, em uma entrevista ao National Public Radio em 2012.
Feng ficou grávida em outubro de 2011 e, em 28 de maio do ano seguinte, as autoridades locais que faziam o controle familiar entraram em contato por telefone com a jovem para tentar convencê-la a abortar, mas ela recusou. Portanto, 2 dias depois, 15 oficiais do governo local apareceram na casa da jovem enquanto seu marido trabalhava. Eles passaram horas fazendo uma verdadeira lavagem cerebral para que ela aceitasse o aborto, até que Feng anunciou que iria ao mercado e os deixou sozinhos na própria casa.
A mulher fugiu para a casa de uma tia e eles passaram a vigiá-la. Feng escapou pela manhã e teve que se esconder nos arbustos do encostamento de uma estrada por mais de 14 horas para conseguir se desvencilhar dos oficiais. Deng confirmou que a esposa foi agredida por eles quando voltou para casa e foi pega — testemunhas relataram que 4 homens carregaram Feng para o hospital mais próximo com uma fronha cobrindo sua cabeça.
Os oficiais do planejamento familiar ligaram para Deng exigindo que ele transferisse a escritura da casa no dia seguinte ou pagasse o equivalente a US$ 15 mil ao fundo da previdência social, como reembolso ao governo pelas despesas futuras que a criança traria à sociedade. Eles chegaram a diminuir para US$ 6 mil, mas Deng não conseguiu o valor a tempo.
Em 4 de junho, Feng então foi forçada a assinar um formulário de consentimento que autorizava o aborto. Encaminhada para a sala de cirurgia, ela foi contida por dois homens enquanto o médico aplicava a injeção para matar o feto. “Eu senti o bebê agitado dentro de mim, até que ele simplesmente parou”, confessou Feng ao All Girls Allowed. O feto de 7 meses morreu de hipóxia e foi retirado do útero da jovem por meio de um parto induzido. O cadáver arroxeado foi colocado ao lado de Feng depois que todo o procedimento teve fim.
Deng lembra que um oficial do planejamento familiar local chegou a ligar para ele e dizer: “Eu disse que você deveria ter conseguido o dinheiro”. Deng ficou enfurecido com a audácia e crueldade de toda a situação. “Nós queremos justiça!”, vociferou o marido em entrevista. “Eu quero que esses criminosos sejam punidos!”.
Foi quando a família publicou na internet uma foto de Feng ao lado de sua bebê ensanguentada e morta, o que ajudou a história se espalhar para o mundo todo, horrorizando as pessoas e reacendendo intensos debates acerca da política do filho único na China.
Com a exposição, as autoridades chinesas lançaram uma investigação profunda sobre o caso e divulgaram um comunicado por meio da Comissão Provincial de População e Planejamento Familiar: “Essa prática violou gravemente as políticas relevantes estabelecidas pelas comissões nacionais e provinciais de planejamento familiar, o que prejudicou a imagem de nosso trabalho e causou efeitos extremamente ruins para a sociedade”. Eles apontaram que Feng não tinha direito ao segundo filho, embora a própria cláusula da política dissesse o contrário, porém que os direitos dela como cidadã não deveriam ter sido violados pelo departamento familiar. Ainda assim, eles demitiram apenas um funcionário.
Após receber ameaças, a família de Feng acionou as agências internacionais, solicitando proteção e indenização em processos judiciais contra o governo. O pedido resultou em um acordo que a proibia de dar entrevistas ou falar sobre o acontecido mediante à proteção e uma quantia em dinheiro.
É impossível não dizer que o triste e abominável episódio de Jianmei Feng não tenha contribuído para que a política do filho único finalmente fosse dada como encerrada em 2015.