Estilo de vida
05/07/2021 às 05:13•3 min de leitura
Um dos principais assuntos da última semana foi a entrevista do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para o programa de Pedro Bial na Rede Globo: após anos de rumores, ele assumiu ser gay — um governador gay e não um gay governador, nas palavras usadas pelo próprio.
O posicionamento de Leite rendeu diversos debates sobre representatividade — afinal, ele é o primeiro governador a se revelar gay em um país ainda bastante preconceituoso —, mas também sobre as posições políticas dele, que pouco ajudaram a comunidade do qual ele faz parte. O intuito, aqui, não é levantar essas discussões — embora você possa deixar sua opinião nos comentários — mas sim responder a um questionamento que foi bastante repetido nesses últimos dias: há mais governantes LGBTQIA+ além de Eduardo Leite? Ele foi o primeiro, de alguma forma?
No mesmo dia em que a entrevista com Pedro Bial foi divulgada, muitas pessoas nas redes sociais mencionaram Fátima Bezerra, governadora do Rio Grande do Norte, como uma política mulher e lésbica. Bezerra é a única mulher a governar um estado em 2021, mas nunca havia falado abertamente sobre sua sexualidade.
Depois de ser lembrada, Fátima Bezerra publicou tweets em apoio a Eduardo Leite — apesar das divergências políticas entre os dois, já que ela é do PT e ele do PSDB.
Na minha vida pública ou privada nunca existiram armários. Sempre demarquei minhas posições através da minha atuação política, sem jamais me omitir na luta contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia e qualquer outro tipo de opressão e de violência.
— Fátima Bezerra (@fatimabezerra) July 2, 2021
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Apesar do ineditismo nos anúncios de Eduardo Leite e Fátima Bezerra, a verdade é que políticos LGBTQIA+ já começaram a conquistar algum nível de representatividade no poder legislativo, começando com nomes como Clodovil e Jean Wyllys na Câmara dos Deputados, ainda nos anos 2000.
Contudo, foi apenas em 2018 que o Brasil elegeu seu primeiro senador assumidamente gay. Fabiano Contarato, do Espírito Santo, já disse em entrevistas que sonha com o dia em que não será julgado por sua orientação sexual. Mas, enquanto isso não acontece, é muito importante que um homem como ele faça um bom trabalho no legislativo: além de ser casado com outro homem e pai de um filho adotivo, Contarato é professor de direito e foi delegado da Polícia Civil.
Fabiano Contarato é o primeiro senador gay do Brasil (Imagem: Istoé Reprodução)
Mas muito antes de Leite ou Contarato, ou até de Jean Wyllys e Clodovil, existiu uma travesti vereadora na cidade de Colônia do Piauí, a 388 quilômetros de Teresina. Katia Tapety serviu por três mandatos, sendo a mais votada da cidade nas eleições de 1992, 1996 e 2000, além de chegar à vice-prefeitura da cidade. Anos depois, já aposentada, ela foi tema de um documentário sobre sua vida.
Algumas pessoas dizem que esse tipo de lista e uma distinção entre políticos LGBTQIA+ e heterossexuais aumentariam o preconceito. A verdade é que a distinção acontece por preconceitos da sociedade — o próprio Eduardo Leite sofreu ataques homofóbicos nas eleições de 2018 — e os políticos se assumirem é, justamente, uma forma de lutar contra isso. Em resumo, quanto mais políticos se assumirem, menos isso será uma questão: vai ser comum ter um prefeito ou governador gay e ninguém vai se importar. Mas até lá...
Ao redor do mundo, ainda é pouco comum que pessoas LGBTQIA+ cheguem longe na política, assumidamente. A primeira chefe de estado lésbica do mundo foi eleita apenas em 2009: Johanna Sigurdardottir, da Islândia, uma ex-aeromoça e líder sindical. Depois de Johanna, Elio Di Rupo, da Bélgica, foi o primeiro homem a chegar ao poder com sua sexualidade já pública: ele se assumiu em 1996 e comandou o país entre 2011 e 2014.
Johanna Sigurdardottir, da Islândia, foi a primeira chefe de estado LGBTQIA+ da história moderna (Imagem: Nordic Labour Journal/Reprodução)
A viralização de uma imagem, em 2017, mostra como o caminho da política ainda é raro para as minoriais: Gauthier Destenay, o marido do primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, era o único homem na foto das primeiras-damas europeias com Melania Trump, dos EUA. Um homem gay junto às primeiras-damas era algo tão raro que virou notícia mundial.
Ainda em 2017, Leo Varadkar seria eleito o chefe de estado da Irlanda, levando seu marido Matthew Barrett em vários compromissos oficiais e aumentando o número de "primeiros-maridos" nesses eventos. Atualmente, a Sérvia é chefiada por uma mulher lésbica, Ana Brnabic, cuja parceira teve um filho recentemente.
A presença do marido do primeiro-ministro de Luxemburgo em uma foto oficial chamou a atenção em 2017 (Imagem: The Guardian/Reprodução)
Fora da Europa, além de diversos países ainda criminalizarem a homossexualidade, não há registros de chefes de estado assumidamente LGBTQIA+ — há apenas políticos em outros cargos, como no legislativo. Pete Buttgieg, dos EUA, foi o primeiro homem gay a ser pré-candidato à presidência do país, aparecendo em campanha na presença de seu marido — mas ele perdeu a nomeação do Partido Democrata para Joe Biden.
Assim como Buttgieg, caso o governador do RS continue com os planos de tentar a presidência em 2022, ele pode se tornar o primeiro candidato abertamente gay em nosso país.
No fim das contas, como dito, a sexualidade dos políticos não deveria importar — e, sim, sua competência para governar. Porém, enquanto formos capazes de contar nos dedos quantos políticos LGBTQIA+ existem, o assunto ainda será necessário.