Estilo de vida
24/05/2022 às 09:00•2 min de leitura
Quando pensamos nos direitos conquistados pelas mulheres nas últimas décadas, precisamos lembrar que muitas das vitórias celebradas não são compartilhadas por todas. Tanto em países subdesenvolvidos quanto nos considerados progressistas, algumas decisões jurídicas seguem sendo tomadas de maneira retrógrada e desfavorável a elas.
A jornalista Amanda Taub, do jornal The New York Times, descobriu que algumas decisões de juízes de países como a Índia e a Inglaterra foram tomadas a partir do pensamento de um mesmo homem: o lorde Matthew Hale, um jurista inglês do século XVII.
Na Índia, por exemplo, um juiz se recusou a criminalizar uma denúncia de estupro conjugal por conta de uma exceção legal estabelecida por um tratado feito por Hale no século XVII, determinando a "propriedade" da esposa pelo marido.
(Fonte: Artuk)
Sir Matthew Hale foi um advogado inglês muito influente que viveu entre os anos de 1609 e 1676. Filho de um advogado, ele perdeu os pais aos 5 anos e passou a ser criado por um parente bastante religioso, de quem herdou a fé. Hale cogitou se tornar padre, mas acabou seguindo a profissão do pai.
Seu legado no Direito tem menos a ver com sua atuação como juiz, e sim como jurista. Ele se tornou um grande colecionador de manuscritos e transcrições legais, e estabeleceu vários livros e tratados que criaram regras à população britânica. Seu trabalho mais famoso foi a História dos fundamentos da coroa, que trata do direito comum e suas punições legais.
Entretanto, as bases estabelecidas pelo pensamento de Hale também deram margens a perspectivas muito nocivas ao Direito - especialmente no que tange as mulheres.
(Fonte: UOL)
Um dos princípios centrais da filosofia estabelecida por Hale é que o direito legal das mulheres sobre os seus corpos ameaçava a liberdade dos homens. Um indício disso se evidencia na sua descrição do estupro, que se tornou mundialmente famosa: o ato seria “uma acusação fácil de ser feita e difícil de ser provada e mais difícil de ser defendida pela parte acusada, embora nunca tão inocente”.
A visão de Hale seria suficientemente ruim por si só, mas o problema é que ela criou jurisprudência para muitos casos em que um júri analisava o caráter moral das vítimas de estupro para tomar sua decisão. Muitas vezes, os tribunais assumiam que estas mulheres estavam mentido, caso não tivessem testemunhas para apresentar que corroborassem com suas alegações.
(Fonte: Istock)
Para completar, Matthew Hale escreveu um tratado em que dizia que o estupro conjugal (quando há uma relação sexual forçada dentro do casamento) não poderia existir, já que o casamento estabelecia um consentimento irrevogável para o sexo - da esposa, é claro. Hale postulou: “pois por seu mútuo consentimento e contrato matrimonial, a esposa se entregou desta forma ao marido que ela não pode retratar”.
Segundo esta visão, a mulher casada tinha os seus direitos "cobertos" pelos do marido. A família, deste modo, seria uma espécie de esfera privada em que o marido era o chefe, e a esposa não poderia buscar a proteção do Estado.
O fato é que a jurisprudência a partir dos postulados de Matthew Hale seguem sendo usados por juízes em alguns lugares do mundo - como no caso ocorrido na Índia. Karuna Nundy, advogada do caso, declarou: "a decisão remonta a uma misoginia da era colonial que as constituições da Índia e dos Estados Unidos – que garantem direitos individuais, os direitos individuais à privacidade do corpo, à integridade corporal, à livre expressão sexual – anularam”.