Artes/cultura
18/03/2023 às 10:00•3 min de leitura
O preconceito com a velhice é um tema que cresce em importância conforme a população se torna mais velha em média — a pirâmide etária, com mais jovens do que idosos, está mudando para um funil etário, e os mais velhos tendem a se tornar maioria.
Mas, nos últimos dias, esse assunto dominou as manchetes por um motivo inusitado: um grupo de universitárias humilhou uma colega de classe, de somente 40 anos, mas que já seria "velha" demais para estar em uma faculdade com elas. No domingo, ao ganhar o Oscar de Melhor Atriz por Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, a atriz Michelle Yeoh, de 60 anos, disse: "Senhoras, não deixe ninguém dizer que você já passou do seu auge".
Michelle Yeoh fez discurso contra o etarismo no Oscar (Fonte: GettyImages)
Esses casos — e vários outros que vemos com infeliz frequência — evidenciam o preconceito com a idade. Esse fenômeno foi definido pela primeira vez pelo gerontólogo norte-americano Robert N. Butler, ainda nos anos 1970. Ele criou o termo em inglês, "ageism", que muitas vezes é traduzido como ageísmo, mas também como etarismo ou idadismo. Esse último passou a ser utilizado pela OMS (Organização Mundial da Saúde), em relatórios sobre o tema.
Alguns especialistas, como a antropóloga Mirian Goldenberg, usam o termo "velhofobia" para facilitar as discussões. Contudo, é importante observar que estereótipos relacionados à idade podem acontecer em várias etapas da vida — como acreditar que pessoas jovens são sempre inexperientes, por exemplo. Além disso, o preconceito com o envelhecimento não impacta só as pessoas idosas, como o caso das universitárias demonstrou.
Dessa maneira, definir esse preconceito como etarismo ou idadismo seria mais correto.
Em conversa com o podcast Café da Manhã, da Folha de São Paulo, Mirian Goldenberg explica que o etarismo ou idadismo está relacionado aos valores sociais que exaltam a juventude — ao mesmo tempo em que demonizam o envelhecimento. Os 20 ou 30 anos seriam o auge da vida de qualquer pessoa, e passar dos 60 ou 70 seria quase uma doença.
Contudo, Mirian conta que o medo da morte — que supostamente estaria próxima — não é um assunto entre os nonagenários que pesquisa. O que essas pessoas mais temem, na realidade, é a solidão e a perda da independência. Uma morte simbólica, ainda em vida, segundo ela.
Idosos podem ser ativos em todas as áreas da vida, diferente do que prega o preconceito (Fonte: GettyImages)
Nesse processo, as pessoas mais velhas sofrem preconceito no mercado de trabalho, pois são vistas como incapazes, como alguém que "já deu o que tinha que dar". No convívio social, elas podem ser infantilizadas, como se não fossem seres humanos com sonhos, opiniões próprias e projetos pessoais — assim como qualquer pessoa, apenas com mais anos de vida.
Em última instância, isso causa grande impacto na saúde mental dos idosos — que podem até se sentir capazes, mas sofrem com o julgamento social. Além disso, como a professora Naira Dutra Lemos afirmou ao podcast O Assunto, isso pode levar à violência física contra pessoas mais velhas. Entre 2019 e 2020, as denúncias desse tipo ao Disque 100 aumentaram de 48,5 mil para cerca de 77 mil — foi quando mais idosos ficaram em casa com filhos e netos.
Mirian Goldenberg afirma que o etarismo ou idadismo é um problema ainda mais grave aqui no Brasil — um país que até pouco tempo era muito jovem e valoriza demais a aparência física da juventude. Em pesquisas na Alemanha, onde o movimento de envelhecimento da população já acontece há mais tempo, ela afirma que idosos ativos são vistos com mais naturalidade.
A solução para esse problema, segundo esses especialistas, passa pela educação, as pessoas precisam entender que os idosos podem fazer o que desejarem: trabalhar, viajar, se divertir, ou ter uma vida sexual ativa, de acordo com suas possibilidades. E ainda que a saúde física possa diminuir após os 80 ou 90 anos, nem todos se tornam senis ou "voltam a ser crianças" — aliás, mesmo os idosos senis merecem respeito e tratamento digno.
Em resumo, tratar as pessoas mais velhas como gente.
Mas, para Mirian, mesmo que a população brasileira esteja envelhecendo como um todo e a sociedade esteja começando a questionar algumas coisas, ainda levará bastante tempo para mudar esse sistema de valores que exalta a juventude, em detrimento à velhice.