Ciência
11/08/2023 às 14:00•4 min de leitura
“Amo muito tudo isso”, dizia o slogan de 2003 da rede de fast food McDonald’s. E faz sentido, afinal são cerca de 84,8 milhões de adultos comendo fast food todos os dias só nos Estados Unidos, de acordo com um levantamento do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde do Centro de Controle de Doenças (CDC).
Em 2021, a indústria de fast food foi avaliada em cerca de US$ 647,7 bilhões e estima-se que atinja aproximadamente US$ 998 bilhões até 2028. Não é por acaso que existem mais de 541 mil restaurantes do tipo pelo mundo, sendo que 40 mil deles pertencem ao McDonald’s.
(Fonte: GettyImages/Reprodução)
O que é irônico, porém, é que poucas pessoas param para se questionar por que “amam muito tudo isso”. O que faz um lanche do McDonald’s ou do Burger King tão irresistíveis? Por qual motivo, mesmo com a barriga cheia, você já se pegou desejando comer mais? O que há por trás do excesso de desejo e bem-estar que esse tipo de comida causa? O que nos faz comer compulsivamente alimentos que sabemos que nos fazem mal?
A resposta é simples, mas pouco difundida: a comida do fast food é projetada para ser perfeita.
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Não é novidade para ninguém que a indústria alimentícia controla a sociedade igual uma entidade governamental, com suas alavancas capitalistas que impulsionam tudo e a todos para o consumismo desenfreado. Ela exerce influência significativa sobre o bem-estar, hábitos alimentares, escolhas de consumo, economia e até mesmo a política, sustentando um lobby poderoso que dita todos os passos que o mercado precisa dar.
Foi aqui que vimos como nos tornamos reféns dos alimentos ultraprocessados e como o excesso desses produtos nas prateleiras contribui para empurrar a população para um cadafalso alimentício. Mas não chegamos a falar o porquê continuamos desejando ir até a última batata frita da embalagem, tampouco se isso é culpa de pessoas como Howard Moskowitz.
Formado em matemática no Queens College e em psicologia experimental em Harvard, Howard desenvolveu o conceito de como criar versões ideais de produtos alimentícios com base nas preferências individuais dos consumidores, um mecanismo que ele chamou de “otimização hedônica de alimentos”.
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Na década de 1980, Howard foi responsável por fazer a empresa Campbell Soup Company alcançar US$ 600 milhões em receita ao reformular o molho de tomate da marca Prego. Na época, o produto estava perdendo aderência entre os consumidores devido à grande competição do mercado, então o cientista conduziu experimentos com milhares de pessoas para tentar determinar qual fórmula agradaria a todos.
No entanto, Howard concluiu que a diversificação de produtos poderia ser mais eficaz do que a busca por uma solução única, assim introduzindo várias versões do molho de tomate, com sabor adicional de cebola, cogumelos e ervas, por exemplo. Essa estratégia levou à expansão estratosférica da empresa no mercado, alcançando diferentes preferências.
Se hoje os norte-americanos se esbaldam ainda mais em Dr. Pepper, o refrigerante mais antigo dos EUA, é porque as mãos de Howard passaram por ele. Em 2015, a empresa Keuring Dr. Pepper chamou o cientista para elaborar a fórmula do seu novo sabor de cereja e baunilha. O produto começou com 59 variações de doçura, submetidas a mais de 3 mil testes de sabor pelo país. Ao colher os resultados, Howard fez sua mágica matemática para descobrir qual seria a quantidade de açúcar ideal para o refrigerante.
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E isso é a síntese perfeita do que se trata a engenharia de alimentos, uma área que não só lida com o processamento, qualidade e segurança dos alimentos, mas envolve a pesquisa e desenvolvimento de novas formulações, considerando sabor, textura, valor nutricional e apelo ao consumidor.
No competitivo mercado alimentício, a satisfação é o único sentimento que o marketing não consegue comprar dos seus consumidores. Por essa razão, quando o jornalista britânico Malcolm Gladwell disse que Howard foi "a pessoa que mais fez para tentar deixar felizes todos os norte-americanos", ele não estava exagerando.
A indústria normalmente busca atender algumas preferências, encontrando sabores ou texturas que alcancem um número razoável de pessoas. Howard, porém, preferiu estender suas pesquisas para satisfazer a maioria. Assim, ele desenvolveu o conceito de “ponto da felicidade”, um método que busca encontrar o ponto ideal para agradar diferentes segmentos de consumidores em relação a um determinado produto.
Sua abordagem permitiu que as empresas diversificassem a oferta do mesmo produto ao criar diferentes versões dele, visando atender a essas preferências específicas. Em meados de 1970, Howard foi contratado pela PepsiCo para ajudá-los a alcançar um público maior com seu refrigerante. Foi dessa forma que surgiram variações da bebida, como a Pepsi Diet e Pepsi Light.
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O problema é que esse mecanismo é responsável por viciar as pessoas em alimentos que não são nada saudáveis. O ponto da felicidade desencadeia vias de recompensa no cérebro incentivando a sinalização de dopamina, um neurotransmissor envolvido em sentimentos de euforia, felicidade, motivação e prazer. Uma vez que os alimentos são confeccionados com altas cargas de dopamina, as pessoas continuam voltando para mais. Aos poucos, isso constrói uma mente viciada, perpetuando um ciclo de desejo de comer mais fast food, ganhar peso, e comer de novo.
O psiquiatra Judson Brewer disse, em sua palestra no TED Talks, que esse ciclo acontece a partir da memória de dependência. O cérebro lembra de quais ações nos faz sentir bem, como comer chocolate. Após repetir o processo o suficiente, essa ação se torna um hábito tão inerente à mente que nada além de uma reeducação alimentar consegue mudar.
Por isso há uma linha muito tênue entre aproveitar o sentimento que a comida pode oferecer e engatar em um ciclo de hábitos não saudáveis com alimentos que atingem em excesso o nosso ponto da felicidade.
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Em um estudo de 2010 feito com camundongos que comeram açúcar e gorduras separadamente, os pesquisadores Johnson e Kenny descobriram que o cérebro envia mensagens sinalizando que o estômago já está cheio. No entanto, quando esse excesso de açúcar é combinado com componentes que atingem o ponto da felicidade, seus receptores são sobrecarregados, impedindo o cérebro de dizer que o corpo já está satisfeito. Com isso, quanto mais alimentos os ratos ingeriam, mais eles tinham que comer para obter o mesmo prazer da próxima vez.
E antes que você se pergunte: sim, nós somos esses ratos vivendo em loops de desejo por uma comida que não é saudável. Em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde, mais de 1 bilhão de pessoas têm obesidade, sendo que 650 milhões são adultas, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões são crianças.
Em 2022, o Australian Dietary Guidelines apontou em sua pesquisa que adolescentes australianos com idades entre 14 e 18 anos obtêm mais de 40% de sua energia diária de alimentos fast food. Vale considerar, porém, que estamos falando de alimentos discricionários, ou seja, que não são necessários para satisfazer as necessidades nutricionais do corpo e não pertencem aos cinco grupos alimentares.
Ou seja, eles estão comendo porque não conseguem mais parar, mas Howard Moskowitz e qualquer outro cientista alimentar têm pouca ou quase nenhuma culpa nisso. Eles apenas usam a ciência a seu favor para o progresso, como acontece em qualquer ramo.
Além disso, as pesquisas já mostraram que a maioria das pessoas ingere fast food em excesso não pelo sabor, mas por ser barato e conveniente. Um relatório do CDC disse que esse consumo diminui com a idade, resta saber a que preço.