Ciência
01/11/2024 às 03:00•4 min de leituraAtualizado em 01/11/2024 às 03:00
O ser humano conseguiu fazer do planeta um grande campo minado. A cada ano, cerca de 2,12 bilhões de toneladas de lixo são produzidas pelo ser humano, segundo o World Counts, reflexo do fato de que 99% das coisas que compramos são descartadas em 6 meses. Para se ter uma ideia, se todo esse lixo fosse colocado em caminhões, seria possível dar a volta ao mundo 24 vezes.
Os lixões criados pelo comércio global de produção afetam diretamente cerca de 64 milhões de pessoas, representando uma séria ameaça à saúde humana e ao meio ambiente. O depósito de lixo eletrônico de Agbogbloshie, em Agrana, no Gana, recebe mais de 192 mil toneladas de resíduos eletrônicos por ano e é responsável por poluir o solo, o ar e a água da região, ameaçando a saúde de mais de 10 mil pessoas que vivem da triagem e reciclagem.
A chegada do forte movimento de industrialização, consequência do pós-guerra de 1945, aumentou a produção de resíduos dez vezes na segunda metade do século passado, apenas devido a essa aceleração da vida urbana. Até 2025, as cidades do mundo devem produzir cerca de 90 milhões de resíduos, o triplo do que em 2009.
Combinado às consequências que inspiraram o aumento do aquecimento global, o nível de produção estabelecido pelo longo espectro do capitalismo também está por trás do motivo pelo qual um terço de todos os alimentos para consumo humano no mundo é perdido ou desperdiçado. Nos campos, as condições climáticas desbalanceadas pela ação do homem destroem plantações e atraem mais pragas e doenças.
Os alimentos são perdidos devido a métodos ineficientes de colheita, transporte e armazenamento. Na cidade, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos adequados para consumo são perdidas anualmente por meio de descarte deliberado em lojas, supermercados e residências.
Enquanto os Estados Unidos lideram o ranking das nações que mais desperdiçam alimentos no mundo, o Japão é um dos poucos países a agir ativamente, apostando na redução de resíduos e reciclagem de alimentos.
No entanto, diferente do que se pensa, não é porque os japoneses são mais conscientes com sua alimentação e priorizam e valorizam a ruralidade que constitui sua identidade milenar, que significa que desperdiçam menos lixo.
Na verdade, o que torna o país de rendimento elevado diferente dos demais é apenas as iniciativas ativas na tomada de decisão das leis do governo, considerando que jogar fora todos os anos cerca de 90 quilos de comida por pessoa é demais para uma nação insular com espaço limitado em aterros sanitários e uma meta de maior sustentabilidade. A comida representa cerca de 40% do lixo que o país incinera, sendo que os habitantes pagam impostos para cobrir a maioria dos US$ 5,4 bilhões que o país gasta para fazer esse trabalho.
O Japão possui uma parcela menor de custos ocultos na estrutura do sistema alimentar mundial em relação à saúde nutricional dos seus habitantes, porque come mais peixe e sua comida é cara, mas isso não o impediu de produzir 5,22 milhões de toneladas de resíduos alimentares em 2020, chegando a jogar fora 28,4 milhões de toneladas de alimentos em bom estado a cada ano.
Entre os vários problemas que resultam em desperdício de alimentos, algumas das questões mais significativas incluía a regra de um terço da indústria, estabelecida na década de 1990 para atender à crescente demanda por ingredientes e produtos frescos. De acordo com esta, os produtores deveriam entregar alimentos e bebidas dentro do primeiro terço do período entre as datas de produção e validade. Ou seja, um produto com data de validade de seis meses deveria ser entregue ao varejista em um prazo de dois meses.
Distribuir produtos perecíveis com prazo curto de validade em todo o país não é uma tarefa fácil, sendo assim, os alimentos que eram entregues fora do prazo acabavam devolvidos ao produtor ou jogados fora, apesar de estarem perfeitamente aceitáveis para consumo e dentro do período de validade.
Isso acabou reforçando a conduta do consumidor em desejar alimentos "bonitos" e "perfeitos", contribuindo com até metade de todo o desperdício de comida no país. Assim, os varejistas acabam descartando toneladas de itens com formatos e cores "incomuns" já no início do processo de produção.
Pensando em mudar essa estrutura e minimizar os danos ambientais e na saúde, em 2019, o governo japonês desenvolveu e estabeleceu a Lei de Promoção de Perda e Redução do Desperdício de Alimentos, visando reduzir o descarte em 50% até 2030 e reforçar a Lei de Reciclagem de Resíduos Alimentares, em vigor desde 2001.
O novo ato incentiva as empresas a encontrarem maneiras de minimizar o desperdício de alimentos, como criar cimento e até móveis a partir de alimentos usados, ou doando seus excedentes para escolas e organizações de bem-estar.
A start-up Fabula, com sede em Tóquio, criou uma receita para fazer concreto alimentar secando restos de comida, comprimindo e pressionando-os em um molde em alta temperatura. A empresa de Takuma Oishi espera trabalhar com agricultores que têm safras excedentes, mas grandes players na fabricação de alimentos, que não podem evitar a geração de muitos resíduos durante seus processos de desenvolvimento, já estão entrando em contato com a start-up inovadora.
Enquanto isso, em algumas prefeituras japonesas, os cidadãos estão sendo reeducados não apenas sobre a ideia de "alimentos perfeitos" para poder promover mudanças no estilo de vida que apoiem esse objetivo, como também nas políticas de sobras. Anteriormente, e na maioria dos restaurantes do país, as sobras eram devolvidas à cozinha ou descartadas, agora os japoneses estão sendo encorajados a levarem-nas para casa e usá-las no almoço do dia seguinte, por exemplo.
Algumas lojas de conveniência desenvolveram projetos de recompensa ao cliente com pontos pela compra de bentôs (marmitas populares servidas na hora do almoço ou jantar) mais próximos do prazo de validade.
Ao nível de gerenciamento de negócios, as empresas estão apostando no uso de inteligência artificial para combinar o estoque com a demanda do cliente, visando minimizar por meio da tecnologia o excesso de armazenamento e o descarte de alimentos não vendidos. Muitos varejistas estão sendo encorajados a doar para vários bancos de alimentos e instituições de caridade, como a Second Harvest, o primeiro banco de alimentos nacional do Japão. Existem também aplicativos em que os varejistas e produtores podem vender alimentos "feios" ou próximos do vencimento com bastante desconto, ajudando no sustento de famílias de baixa renda.
O governo espera que esse novo comportamento se espalhe até se tornar uma norma nas 55.657 lojas de conveniência pelo Japão, muitas das quais estão abertas 24 horas, 365 dias por ano, e possuem um fluxo constante de produtos e alto apelo aos clientes.