É possível separar a inteligência do corpo?

07/05/2023 às 10:003 min de leitura

Desde novembro de 2022, o ChatGPT, uma espécie de assistente virtual inteligente no formato de chatbot online, desenvolvido pelo laboratório de pesquisa OpenAI, se tornou uma atração principal nas manchetes e pela internet devido as suas impressionantes habilidades. Isso alimentou discussões sobre a possibilidade desse tipo de inteligência artificial ameaçar a capacidade de pensar do ser humano, ou até mesmo substituir o trabalho de pessoas que usam as palavras para viver, como jornalistas e autores.

Essa onda de chatbots deu início a uma verdadeira disputa para determinar se a tecnologia poderia derrubar a economia da internet, transformando as potências de hoje em passado e criando os próximos gigantes do setor. Segundo os especialistas, esses robôs serão capazes de realizar tarefas básicas sem programação espacial, podendo servir um copo de refrigerante, preparar o almoço ou pegá-lo do chão após uma queda, tudo por meio de comandos simples.

Faz tempo que existe uma discussão se é possível separar a inteligência do corpo humano e, enquanto alguns alegam que os chatbots e robôs já dizem por si só, outros ainda acham que a inteligência em seu amplo espectro é algo que apenas o cérebro pode manter.

Tentando superar a capacidade humana

(Fonte: The New York Times/Reprodução)(Fonte: The New York Times/Reprodução)

Pode ser no mínimo assustador o quanto as máquinas estão cada vez mais aguçadas. Pesquisadores da Alphabet, empresa controladora do Google, anunciou o sucesso de um robô chamado PalM-E. Ele é capaz de absorver recursos visuais do seu ambiente e informações sobre a posição do próprio corpo, traduzindo isso tudo para uma linguagem natural, permitindo com que ele abra uma gaveta e pegue um saco de batatas fritas, por exemplo.

Nos primeiros anos da inteligência artificial, em meados de 1950, os cientistas acreditavam piamente que a inteligência semelhante à humana estava ao alcance. Herbert Simon, ex-professor da Universidade Carnegie Mellon e um dos fundadores da inteligência artificial, disse ainda em 1965 que as máquinas seriam capazes, em até 20 anos, de fazer qualquer trabalho que um homem desempenha.

(Fonte: PBS/Reprodução)(Fonte: PBS/Reprodução)

Naquela época, o pensamento predominante era que a cognição envolvia a manipulação de símbolos abstratos seguindo regras explícitas, tanto que a cognição foi descrita como uma "peça de xadrez", portanto, as mentes funcionariam em cérebros como o software é executado no hardware de um computador. Para descrever a abordagem, o professor emérito e escritor John Haugeland cunhou o termo Good Old-Fashioned Artificial Intelligence (GOFAI) – "A boa e velha inteligência artificial", em tradução livre.

O GOFAI fez sentido em resolver problemas com base em regras explícitas, como os computadores que jogavam xadrez, resolviam problemas algébricos e manipulavam textos. No entanto, quando tratou de simular o comportamento natural humano inerente à inteligência, programados para funcionar em um ambiente desconhecido, o GOFAI fracassou. Isso aconteceu porque os primeiros robôs tinham processadores fora do corpo.

Perceber, reagir e sentir

(Fonte: Tech Talks/Reprodução)(Fonte: Tech Talks/Reprodução)

A ideia de que o pensamento é o processamento de símbolos sofre uma influência forte até hoje, em que tendemos a fazer distinção entre a mente e o cérebro. Isso surgiu nos séculos XV e XVI, quando os pensadores Copérnico e Galileu descreveram a natureza em termos de figuras geométricas e fórmulas matemáticas.

No século XVII, Thomas Hobbes estendeu essa ideia à cognição humana ao propor que a realidade era fundamentalmente matemática, assim como o pensamento. Materialista, para ele, os pensamentos eram semelhantes às partículas. Enquanto isso, René Descartes considerava os pensamentos como representações simbólicas da realidade, em que o pensamento e o corpo eram duas entidades inteiramente diferentes, com a mente usando o corpo apenas para receber entrada e produzir saída.

(Fonte: Meio e Mensagem/Reprodução)(Fonte: Meio e Mensagem/Reprodução)

“Uma vez que você está preso nessa visão de mundo cartesiana de que o pensamento é algoritmos ou um programa de computador, é extremamente difícil se libertar disso. Parece tão óbvio, afinal, há entrada, processamento e saída. Então de que outra forma poderia ser?”, argumentou Rolf Pfeifer, professor de Ciência da Computação do Departamento de Informática da Universidade de Zurique.

Pfeifer explicou que ao olhar para a inteligência de uma perspectiva evolutiva, é possível perceber que os cérebros sempre se desenvolverão no contexto de um corpo que interage com o mundo para sobrevier. Ou seja, não há éter algorítmico no qual os cérebros surgem, portanto, nem mesmo os melhores programas de xadrez jogam da mesma maneira que as pessoas, deixando claro que máquinas não conseguem pensar como um ser humano.

Os últimos 50 anos no campo da psicologia e os últimos 20 anos em inteligência artificial viram uma mudança na maneira de pensar sobre a natureza da cognição.

"Colocar um corpo em um cérebro não é inteligência incorporada. Tem que empurrar para o mundo e observar o mundo reagindo", disse o Dr. Bongard, da Universidade de Vermont, que passou as últimas décadas desenvolvendo pequenos robôs feitos de células de sapos que podem estar mais próximos do tipo de inteligência mecânica que nos interessa.

Mas alguns pesquisadores ainda sustentam a convicção de que a tecnologia não alcançará jamais a verdadeira inteligência humana, ou a verdadeira compreensão do mundo, até que seja combinada com um corpo que possa perceber, reagir e sentir seu ambiente.

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