Artes/cultura
07/04/2021 às 15:00•4 min de leitura
No século XIX, o Reino Unido não só era reconhecido como o dono de um dos maiores impérios do mundo, como também o responsável por produzir cerca de 300 anos de poluição da atmosfera e ter o meio ambiente completamente podre.
Em uma época em que não havia sistema de saneamento básico adequado, as ruas da capital Londres acumulavam mais de 1 mil toneladas de esterco por dia que os mais de 300 mil cavalos de comércio e uso pessoal deixavam.
Enquanto os vitorianos nobres possuíam fossas nos jardins de suas casas para fazerem suas necessidades fisiológicas, os suburbanos simplesmente defecavam e urinavam em penicos e lançavam o conteúdo pela porta de suas casas ou nos canais que levavam direto para o Rio Tâmisa.
(Fonte: Museum London/Reprodução)
Foi assim que o chão de Londres se tornou uma lama grossa, viscosa e podre de fezes, que adquiriu o aspecto de concreto quando misturado com o ar fuliginoso, fazendo a cidade feder a excremento, ovos podres, tabaco molhado e legumes apodrecidos.
Quando as fossas dos ricos ficavam sobrecarregadas e eles não sabiam o que fazer com tantas fezes, começaram a contratar crianças entre 12 e 14 anos de idade para descer nelas durante a noite e recolher os dejetos. O governo também adotou a ideia contratando homens adultos para tirarem as fezes humanas e de animais do meio do caminho. Essas pessoas foram chamadas de “homens do solo noturno”.
(Fonte: Resilience/Reprodução)
Apesar de parecer que foram os vitorianos que inventaram os “homens do solo” para resolver o problema sanitário deles, esse trabalho sempre foi comum ao longo da história e em várias partes do mundo. No período Edo, no Japão, muitos comerciantes de compostagem coletavam fezes para vender aos fazendeiros e gerar uma boa renda adicional. Ironicamente, os excrementos das pessoas ricas eram mais valorizadas porque a dieta deles era melhor, portanto eram vendidos a preços bem altos.
A profissão de “homem do solo” estava longe de ser algo que as pessoas gostavam, porém pagava bem demais para que não fosse considerada, além de que funcionava como um emprego de meio período que ajudava a complementar a renda. Apesar de em outros lugares, como na China, as mulheres também executarem o trabalho, em sua maioria eram os homens que o realizavam.
(Fonte: Flickriver/Reprodução)
Geralmente, quando o quesito era as fossas pessoais, eles operavam em equipes de 4 pessoas para remover os excrementos, dividida entre o “homem do buraco”, responsável por descer pela fossa para fazer a coleta em um balde; o “homem da corda”, aquele que içava o recipiente; e o “homem da carroça”, quem fazia o descarte dos resíduos em barris sobre uma carroça.
Naquela época, era proibido por lei abrir as fossas durante o dia por causa do cheiro forte de podridão, por isso os homens operavam durante a madrugada e precisavam deixar tudo pronto pelo menos 2 horas antes do amanhecer. Em Londres, as fezes eram colocadas em carroças e transportada para um área conhecida como Dung Wharf, onde o esgoto era coletado para as hortas comerciais da cidade.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Nova York, nos Estados Unidos, foi outra cidade que não soube lidar com seus dejetos conforme as áreas urbanas se expandiam e se tornavam cada vez mais populosas, resultando em toneladas de rejeitos humanos e de animais espalhados pelas ruas do século XIX.
Em 1844, estima-se que os habitantes de Manhattan sozinhos produziram aproximadamente 800 mil m³ de cocô, o suficiente para encher mais de 53 mil carroças de médio porte. Por via de regra, assim como em Londres, o esgoto deveria ser transportado para fazendas no interior do estado para ser usado como fertilizante, mas na prática era bem mais frequente que fosse despejado de um píer que desembocava nos rios Hudson e East, criando uma linha costeira de pura podridão e doenças.
Em Washington, por incrível que pareça, um dos depósitos de fezes da cidade ficava em um campo pantanoso bem próximo à Casa Branca, o que especula-se que foi a causa da morte do então presidente William Henry Harrisson, em 4 de abril de 1841. Apesar de o homem ter falecido em decorrência de uma pneumonia, acredita-se que o quadro foi potencializado pelo consumo de água contaminada ao longo dos anos.
(Fonte: Old House Journal/Reprodução)
Muito embora a coleta noturna fosse um empreendimento rentável, os "homens do solo", que nos Estados Unidos em sua maioria eram afro-americanos e imigrantes, estavam constantemente ficando doente e morrendo devido ao contato frequente e desprotegido com as fezes de milhares de pessoas. O nível de contaminação era tão alto e real que uma epidemia passou a ser determinada a partir da quantidade de homens que morriam recolhendo as fezes. E como se isso não fosse o suficiente, os trabalhadores também eram vítimas frequentes da violência de ladrões e dos nobres, que os apedrejavam ou atropelavam com seus cavalos.
Com equipamentos rudimentares, como carrinhos, barris e baldes, os “homens do solo” percorriam a cidade inteira recolhendo a sujeira com as próprias mãos durante toda a noite, só para na manhã seguinte ver tudo contaminado novamente. Apesar do pagamento decente, era um trabalho inumano e extremamente ingrato.
Em 1775, quando o inventor e matemático Alexander Cummings patenteou o primeiro design de descarga para vaso sanitário, previamente criado pelo inglês John Harrington em 1596, todos acreditaram que resolveria os problemas com a remoção de esgoto, mas apenas aumentaram.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Esses sistemas sanitários foram conectados às mesmas fossas, uma vez que ainda não havia um sistema de esgoto principal, empurrando o lixo de volta para as mãos dos "homens do solo". Só no final do século XIX que as cidades começaram a investir em extensas redes de esgoto. Chicago foi o primeiro local dos Estados Unidos a introduzir o sistema de saneamento, em 1855, seguida por Nova York, que construiu a então maior rede de esgoto de todos os tempo.
Foi só em meados de 1920 que o trabalho dos "homens do solo" foi dado como encerrado em vários países, embora tenha continuado anos depois no pós-guerra da Segunda Guerra Mundial na China, e permanecido por tempo demais na cultura indiana como parte da inferiorização dos dalits, considerados “intocáveis”.