Artes/cultura
11/04/2023 às 04:00•3 min de leitura
Devido ao status, protocolos e influência que se estenderam para a modernidade, a realeza sempre foi alvo de um abismo de teorias da conspiração, algumas das quais se tornaram tão difundidas e graves a ponto de seus palácios terem que emitir declarações oficiais desmentindo os tópicos. O mais interessante e engraçado é que a maioria das teorias possui uma quantidade surpreendente de supostas "evidências" para corroborá-las, reforçando a crença massiva das pessoas e sua fácil aderência no senso comum.
Entre esse mar caótico, certamente, a mais emblemática de todas as teorias é de que a família real britânica é de uma espécie híbrida entre alienígenas reptilianos e humanos. David Icke, um infame teórico da conspiração, há muito defende essa ideia, que se apoia em sua crença de que o mundo é governado por uma sociedade secreta composta pela realeza e líderes políticos empresariais envolvidos com os Illuminati.
(Fonte: Daily Mail/Reprodução)
Em um vídeo postado em uma conta no TikTok em 8 de setembro de 2022, logo após a morte da rainha Elizabeth II, Icke diz: “A rainha está morta, mas este draco foi para seu bisneto”. Draco é uma referência à teoria infundada de que a família real britânica é descendente de reptilianos em uma constelação chamada Draco.
Ainda que esse não seja o caso, no passado, os monarcas já acreditaram em muita coisa que hoje é facilmente desmentida, principalmente sobre si mesmos, por isso foram afetados pelo "Delírio de Cristal", o fenômeno psiquiátrico que fez a realeza acreditar que era feita de vidro.
(Fonte: Sky History/Reprodução)
Se nos séculos passados os monarcas acreditavam no direito divino dos reis — a ideia que recebiam o "direito" de governar do próprio Deus e que, por isso, estavam acima de qualquer autoridade humana —, acreditar que eles eram feitos de vidro não é nada em comparação. Mas, claro, esse pensamento não surgiu sem fundamento nenhum, nem fazia parte de uma estrutura de governo, muito pelo contrário.
No início do século XVI, na Europa, o vidro se tornou uma das principais commodities. Considerado mágico e alquímico, mas também associado ao luxo devido à sua fragilidade e ergonomia, o material conseguiu até determinar como a aristocracia enxergava seu papel na sociedade devido à exclusividade que as peças inspiravam.
(Fonte: The Collector/Reprodução)
A supervalorização do vidro pode ter sido o principal motivo na contribuição para o desenvolvimento de um distúrbio psiquiátrico chamado "Delírio de Cristal". É provável que isso tenha acontecido porque a mente humana inventiva daquela época atrelou seus delírios a novos materiais e aos avanços tecnológicos que aconteciam.
Até o século XVII, os aristocratas já temiam que tivessem partes do corpo feitas de vidro, duvidando, assim, da própria sanidade e convivendo com o medo de que seus membros se estilhaçassem.
Rei Carlos VI. (Fonte: Wikipedia/Reprodução)
Não demorou para que o fenômeno psiquiátrico se tornasse uma patologia também da realeza, contaminando todos como se fosse um resfriado. A começar pelo rei Carlos VI da França, que governou entre o final do século XIV e o início do século XV, ficando tão famoso por seu medo de ter o corpo feito de vidro que apareceu em um conto de Miguel de Cervantes chamado The Glass Graduate.
A princesa Alexandra da Baviera, no entanto, se tornou o caso mais famoso do "Delírio de Cristal" entre a realeza. Ela não acreditava que tinha nascido com corpo de vidro, mas, em vez disso, que engoliu um piano de cauda feito de vidro, portanto, tinha que se mover com cuidado ou o vidro se partiria dentro dela, causando sua morte. Acredita-se que, como Carlos VI da França, a princesa hoje seria diagnosticada com uma variação do transtorno obsessivo compulsivo (TOC).
A esquizofrenia é outro laudo considerado pelos estudiosos modernos, isso porque a ideia de que membros reais são criaturas raras e incomuns, tendo que ser tratados com máximo cuidado e respeito ou então poderiam quebrar, pode ter piorado o problema em alguns casos.
(Fonte: History Collection/Reprodução)
Esse sentimento também é algo antigo e flertava com o medo do avanço da tecnologia daquele tempo, uma vez que, antes do "Delírio de Cristal", aconteceu o "Delírio da Cerâmica", quando o produto começou a ser tão usado como o vidro foi posteriormente.
O problema do fenômeno psiquiátrico foi tão grande ao longo do século XVII que foi incluso na Anatomia da Melancolia, um compêndio médico organizado por Robert Burton. No século seguinte, um hospital psiquiátrico em Edimburgo, na Escócia, registrou os sintomas de 300 pacientes do sexo feminino que apresentavam o "Delírio de Cristal".
Em 2015, o psiquiatra holandês Andy Lameijin identificou a rara condição em um paciente, um dos poucos detectados na literatura médica do século XXI. Agora, no entanto, as pessoas têm outros delírios — esses, mais modernos: associam seus corpos como sendo substituídos ou controlados remotamente por microchips.